segunda-feira, 26 de junho de 2017
Otto Lara Resende
"Duro ofício, este de viver, Vivo a dizer que não me sinto apto para ele, que o ignoro, que não sei por onde começar. Quanto a mim, a minha verdadeir vocaçao e a morte. Nascemos é mesmo para morrer, com este disfarce que é a vida de permeio. Não sei, mas não creio em soluções. Desamparo não tem cura, tem paliativos. Buscar relações, ligar-se às coisas, amar burramente uma vassoura, apaixonar-se doidamente por um tapete, morrer por uma coleção de selos, enlouquecer de amor por uma avença. Esquecer-se um pouco, anestesiar tanto quanto possível o sentimento, a sensação, o pontapé da existência, da vivência. Sair de si mesmo, expulso se for preciso, como se expulsa um cão leproso e repugnante, senão a gente morre de mastigar a própria consciência, nessa autodevoração amarga e miúda. Por tendência, sou um ruminante de mim mesmo. Precisamos provocar, ajudar a hemoptise, vomitar um pouco de nossa alma (e não comer o vômito, como um cão humilhado). ´Estoy cansado de ser hombre´. Quando me perguntam quantos anos tenho, deveria responder: “Tenho vinte e seis anos de erros”. Só há um caminho na vida, o caminho que perfazemos palmo a palmo, morosamente, enervantemente. E inútil buscar atalhos (ilusões), somos repostos violentamente sobre nossa via crucis individual. E estamos sós, pavorosamente sós, nessa marcha medonha para o grande espetáculo, a grande peça, a imensa representação, a fabulosa revista teatral que será o Juízo Final". (Fragmento de carta de Otto a Murilo, Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1948, In Mares Interiores, Correspondência de Murilo Rubião & Otto Lara Resende, org. Cleber Araújo Cabral, 2016)
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