quinta-feira, 7 de junho de 2012

Cora Coralina

PÃO-PAZ

O Pão chega pela manhã em nossa casa.
Traz um resto de madrugada.
Cheiro de forno aquecido, de levedo e de lenha queimada.
Traz as mãos rudes do trabalhador e a Paz dos campos cheios.
Vem numa veste pobre de papel. Por que não o receber
numa toalha de linho puro e com as mãos juntas
em prece de gratidão?

Para fazê-lo assim tão fácil e de fácil entrega,
Homens laboriosos de países distantes
E de fala diferente trabalharam a terra, reviraram,
Sulcaram, gradearam, revolveram, oxigenaram e lançaram a semente.

A semente levava o seu núcleo de vida. O sol, a umidade
o sereno, o calor e a noite tomaram dela, e fez-se o milagre da germinação.
O campo se tornou verde em flor, e veio junto o joio, convivente, excrescente,
Já vigente nas parábolas do Evangelho.
O trigal amadureceu e entoou seu cântico de vida
num coral de vozes vegetais.

Venham...venham...venham...
E vieram os ceifeiros e cortaram o trigo,
e arrancaram e queimaram o joio.

Cortaram e ajuntaram os feixes.
malharam e ensacaram o grão.
E os grandes barcos graneleiros o levaram
por caminhos oceânicos a países diferentes
e a gentes de fala estranha.

Foi  transportado aos moinhos.
As engrenagens moeram, desintegraram.
Separaram o glúten escuro, o próprio e pequenino coração
do trigo até as alvuras do amigo
de que se faz o pão alvo universal.

Transformaram a semente dourada
num polvilhamento branco de leite, que é levado
às masseiras e cilindros
onde os padeiros de batas e gorros brancos
Ensejam, elaboram e levedam a massa.
Cortam, recortam, enformam, desenformam
e distribuem pelas casas,
enquanto a cidade dorme.

O Padeiro é o ponteiro das horas, é o vigia do forno
quando a cidade se aquieta e ressona.
É o operário modesto, tranqüilo e consciente
da noite silenciosa e da cidade adormecida.
É mestre e dá uma lição
de trabalho confiante e generoso.

Pela manhã a padaria aberta, recendente,
é a festa alegre das ruas e dos bairros.
Devia ter feixes de trigo enfeitando suas portas.

É por esse caminho tão largo, tão longo,
tão distante e deslembrado que o pão vem à nossa casa.
Ele chega cantando, ele chega rezando
 e traz consigo uma bandeira branca de seis letras: Pão-Paz.

Haverá sempre esperança de paz na Terra
Enquanto houver um semeador semeando trigo
e um padeiro amassando e cozendo o pão,
enquanto houver a terra lavrada e o
eterno e obscuro labor pacífico do homem,
numa contínua permuta amistosa dos campos e das cidades.

Para chegar a nossa casa em ritmo de rotina,
o Pão fez sua longa caminhada na terra  e nos mares.
Passou de mão em mão
como uma grande bênção de gerações pretéritas.

Graças pela hóstia consagrada
Que é Pão e Vida.
Pão da reconciliação do Criador com o pecador
recebido na hora extrema.
Fazei, Senhor, com que as sobras das mesas fartas
Sejam levadas em Vosso nome àqueles que nada têm
E que a códea largada na abundância
Nunca seja lançada com desprezo.
Haverá sempre uma boca faminta a sua espera.
Graças, Senhor, pelo primeiro semeador
Que lançou a primeira semente na terra
E pelo homem que amassou, levedou e cozeu o primeiro pão.
Graças, meu Deus, por essa bandeira branca de Paz
que traz a certeza do pão.
Graças pelas mil vezes que os Livros Santos
escrevem e confirmam
 a palavra generosa e suave: Pão.

“Havia um partir de pão em casa de Onesíforo quando
Paulo ali entrou com seus amigos” (Epístola).




Cora Coralina, Meu livro de Cordel


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