NOSSAS RAÍZES
Esfarela a casca da sua vertigem
Quando a imagem de nossas raízes
Tocam-se seguras na dança cardíaca
Da terra, que doce & quente
Rompe a geada dos olhos
Faz suar os laivos da pele
Rios de mel por onde o desejo
Abre um corte de âmbar cremoso.
Madeira é nome do nosso osso
Exposto nas dobras do corpo
Escoo, salivo, não represo
Esse caldo dos galhos de pano
Retalhos feitos de espanto
O mesmo que em silêncio de grão
Germina a prata dos gonzos
Singra a aorta, porta dos sonhos.
[Alex Sens Fuziy, nascido em 1988 em Florianópolis (SC), é romancista, contista, poeta e crítico literário. Mora em Minas Gerais há 17 anos. Em 2008, publicou “Esdrúxulas”, livro de contos de humor negro e realismo mágico, seguido, em 2009, pelo livro artesanal “Trincada”. Teve contos e poemas publicados em sete coletâneas. Conquistou duas por menções honrosas no Prêmio Prefeitura de Niterói e no Concurso de Contos Cidade de Araçatuba. Venceu o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura edição 2012, na categoria jovem escritor].
quarta-feira, 30 de abril de 2014
terça-feira, 29 de abril de 2014
Gustavo Petter
Para Joanna Skorupski.
I.
A bisavó polonesa
cultivava flores
e possuía um apiário.
Os dias consumiam-se
entre pétalas e folhas
e alvéolos.
Compreendia o ritmo vegetal,
como os xamãs
curandeiros.
O alzheimer é a chama fosca
dos olhos fixos.
O alzheimer é o não indagar
o azul sem nuvens.
É esquecer os usos
silenciosos da adaga.
Foda-se a desmemória.
Reinventemos para mim
um nome:
sou o estrangeiro que ama
flores incomuns.
As inscreve na própria pele
para que não sejam breves
como os relâmpagos.
II.
Na página é branco
o silêncio.
Orno a monocromia
com estilhaços antigos,
colhidos na autópsia
da criança.
Havia o fogão a lenha,
o termômetro de mercúrio
em forma de galo.
Vasos, muitos vasos
na casa que chamávamos
chalé.
Na parede um brasão polonês,
águia
sobre um fundo rubro.
A Virgem negra
de Czestochowa
abençoa
os herdeiros do holocausto.
Lembro dos livros
manuais de botânica.
O quadro
com borboletas mumificadas.
E no bojo de um vidro
o alvíssimo
cisne de açúcar
capturado
nas bodas
já esquecidas.
[Gustavo Petter, nasceu em 1984. Mora em Araçatuba, SP. Mantém o blog "Agradável Degradado", onde publica seus poemas e traduções. Para G. Petter, "O poema não admite policiamentos morais, estéticos. A liberdade possível é a linguagem". E completa: "Não há palavra impalatável para o poema".]
I.
A bisavó polonesa
cultivava flores
e possuía um apiário.
Os dias consumiam-se
entre pétalas e folhas
e alvéolos.
Compreendia o ritmo vegetal,
como os xamãs
curandeiros.
O alzheimer é a chama fosca
dos olhos fixos.
O alzheimer é o não indagar
o azul sem nuvens.
É esquecer os usos
silenciosos da adaga.
Foda-se a desmemória.
Reinventemos para mim
um nome:
sou o estrangeiro que ama
flores incomuns.
As inscreve na própria pele
para que não sejam breves
como os relâmpagos.
II.
Na página é branco
o silêncio.
Orno a monocromia
com estilhaços antigos,
colhidos na autópsia
da criança.
Havia o fogão a lenha,
o termômetro de mercúrio
em forma de galo.
Vasos, muitos vasos
na casa que chamávamos
chalé.
Na parede um brasão polonês,
águia
sobre um fundo rubro.
A Virgem negra
de Czestochowa
abençoa
os herdeiros do holocausto.
Lembro dos livros
manuais de botânica.
O quadro
com borboletas mumificadas.
E no bojo de um vidro
o alvíssimo
cisne de açúcar
capturado
nas bodas
já esquecidas.
[Gustavo Petter, nasceu em 1984. Mora em Araçatuba, SP. Mantém o blog "Agradável Degradado", onde publica seus poemas e traduções. Para G. Petter, "O poema não admite policiamentos morais, estéticos. A liberdade possível é a linguagem". E completa: "Não há palavra impalatável para o poema".]
Grant Wood |
segunda-feira, 28 de abril de 2014
Porfírio Al Brandão
AGULHA
raramente a flecha mineral dum estímulo
viaja no poro sem aleijá-lo – há um branco vazio
inerte na escolha do icebergue quase invisível
mas que pesa inelutavelmente sobre os ombros
quando se hipoteca a força memorial das imagens
qualquer tentativa de reconhecimento é perigosa
pelo emaranhamento de nervuras que encalacra o
bolbo raquidiano, qualquer devaneio libertino
por cansaço jogado às grades vítreas poderá fundir
o poro, isto é, inutilizá-lo irremediavelmente
a flecha mineral é uma agulha sintonizadora
abrindo expressão a mucosas e órgãos, o visco
de notícia estrangeira no colchão da identidade
– as feridas e o paradoxo, fricção ousada no poro
raramente a flecha mineral dum estímulo
viaja no poro sem aleijá-lo – há um branco vazio
inerte na escolha do icebergue quase invisível
mas que pesa inelutavelmente sobre os ombros
quando se hipoteca a força memorial das imagens
qualquer tentativa de reconhecimento é perigosa
pelo emaranhamento de nervuras que encalacra o
bolbo raquidiano, qualquer devaneio libertino
por cansaço jogado às grades vítreas poderá fundir
o poro, isto é, inutilizá-lo irremediavelmente
a flecha mineral é uma agulha sintonizadora
abrindo expressão a mucosas e órgãos, o visco
de notícia estrangeira no colchão da identidade
– as feridas e o paradoxo, fricção ousada no poro
©Todos os Direitos Reservados
domingo, 27 de abril de 2014
Henriqueta Lisboa
HERANÇA
Ouso à sombra de Dante ao meu Virgílio
oferecer louvor com tal ternura
que me estremece a voz ao casto idílio.
Quem mergulhou um dia na leitura
do magno poeta vem transfigurado
de uma consciência límpida e madura.
Todo o valor do tempo no passado
volve de novo em raios convergentes
à lembrança de lume radicado.
Tudo emerge no plano do presente
— pronto, cálido e nítido — pelo ato
que é promessa de vida permanente.
A cada circunstância o termo exato
dá testemunho da alma que está presa
à contínua experiência do recato.
Esse conhecimento da beleza
junto à simplicidade quase rude
já sobreleva os dons da natureza.
Clássico sereníssimo! Que o estude
sempre, alguém, à noção de que é mister
entregar-se ao destino em plenitude
à maneira de Enéas para obter
a expressão que transcende esse destino
e é dádiva de sangue a um outro ser.
O verbo humano, então, se faz divino.
[Henriqueta Lisboa, Obras Completas, Vol. I, Poesia Geral, Duas Cidades: São Paulo, 1985, p. 311]
Ouso à sombra de Dante ao meu Virgílio
oferecer louvor com tal ternura
que me estremece a voz ao casto idílio.
Quem mergulhou um dia na leitura
do magno poeta vem transfigurado
de uma consciência límpida e madura.
Todo o valor do tempo no passado
volve de novo em raios convergentes
à lembrança de lume radicado.
Tudo emerge no plano do presente
— pronto, cálido e nítido — pelo ato
que é promessa de vida permanente.
A cada circunstância o termo exato
dá testemunho da alma que está presa
à contínua experiência do recato.
Esse conhecimento da beleza
junto à simplicidade quase rude
já sobreleva os dons da natureza.
Clássico sereníssimo! Que o estude
sempre, alguém, à noção de que é mister
entregar-se ao destino em plenitude
à maneira de Enéas para obter
a expressão que transcende esse destino
e é dádiva de sangue a um outro ser.
O verbo humano, então, se faz divino.
[Henriqueta Lisboa, Obras Completas, Vol. I, Poesia Geral, Duas Cidades: São Paulo, 1985, p. 311]
sexta-feira, 25 de abril de 2014
T. S. Eliot
GERONTION's
Eis-me aqui, um velho em tempo de seca,
Um jovem lê para mim, enquanto espero a chuva.
Jamais estive entre as ígneas colunas
Nem combati sob as centelhas de chuva
Nem de cutelo em punho, no salgado imerso até os joelhos,
Ferroado de moscardos, combati.
Minha casa é uma casa derruída,
E no peitoril da janela acocora-se o judeu, o dono,
Desovado em algum barzinho de Antuérpia, coberto
De pústulas em Bruxelas, remendado e descascado em Londres.
O bode tosse à noite nas altas pradarias;
Rochas, líquen, pão-dos-pássaros, ferro, bosta.
A mulher cuida da cozinha, faz chá,
Espirra ao cair da noite, cutucando as calhas rabugentas.
E eu, um velho,
Uma cabeça oca entre os vazios do espaço.
Tomaram-se os signos por prodígios: "Queremos um signo!"
A Palavra dentro da palavra, incapaz de dizer uma palavra,
Envolta nas gazes da escuridão. Na adolescência do ano
Veio Cristo, o tigre.
Em maio corrupto, cornisolo e castanha, noz das
faias-da-judeia,
A serem comidas, bebidas, partilhadas
Entre sussurros; pelo Senhor Silvero
Com suas mãos obsequiosas e que, em Limoges,
No quarto ao lado caminhou a noite inteira;
Por Hakagawa, a vergar-se reverente entre os Ticianos;
Por Madame de Tornquist, a remover os castiçais
No quarto escuro, por Fraülein von Kulp,
A mão sobre a porta, que no vestíbulo se voltou.
Navetas ociosas
Tecem o vento. Não tenho fantasmas,
Um velho numa casa onde sibila a ventania
Ao pé desse cômoro esculpido pelas brisas.
Após tanto saber, que perdão? Suponha agora
Que a história engendra muitos e ardilosos labirintos,
estratégicos
Corredores e saídas, que ela seduz com sussurrantes ambições,
Aliciando-nos com vaidades. Suponha agora
Que ela somente algo nos dá enquanto estamos distraídos
E, ao fazê-lo, com tal balbúrdia e controvérsia o oferta
Que a oferenda esfaima o esfomeado. E dá tarde demais
Aquilo em que já não confias, se é que nisto ainda confiavas,
Uma recordação apenas, uma paixão revisitada. E dá cedo
demais
A frágeis mãos. O que pensado foi pode ser dispensado
Até que a rejeição faça medrar o medo. Suponha
Que nem medo nem audácia aqui nos salvem. Nosso heroísmo
Apadrinha vícios postiços. Nossos cínicos delitos
Impõem-nos altas virtudes. Estas lágrimas germinam
De uma árvore em que a ira frutifica.
O tigre salta no ano novo. E nos devora. Enfim suponha
Que a nenhuma conclusão chegamos, pois que deixei
Enrijecer meu corpo numa casa de aluguel. Enfim suponha
Que não dei à toa esse espetáculo
E nem o fiz por nenhuma instigação
De demônios ancestrais. Quanto a isto,
É com franqueza o que te vou dizer.
Eu, que perto de teu coração estive, daí fui apartado,
Perdendo a beleza no terror, o terror na inquisição.
Perdi minha paixão: por que deveria preservá-la
Se tudo o que se guarda acaba adulterado?
Perdi visão, olfato, gosto, tato e audição:
Como agora utilizá-los para de ti me aproximar?
Essas e milhares de outras ponderações
Distendem-lhe os lucros do enregelado delírio,
Excitam-lhe a franja das mucosas, quando os sentidos esfriam;
Com picantes temperos, multiplicam-lhe espetáculos
Numa profusão de espelhos. Que irá fazer a aranha?
Interromper o seu bordado? O gorgulho
Tardará? De Bailhache, Fresca, Madame Cammel, arrastados
Para além da órbita da trêmula Ursa
Num vórtice de espedaçados átomos. A gaivota contra o vento
Nos tempestuosos estreitos da Belle Isle,
Ou em círculos vagando sobre o Horn,
Brancas plumas sobre a neve, o Golfo clama,
E um velho arremessado por alísios
A um canto sonolento.
Inquilinos da morada,
Pensamentos de um cérebro seco numa estação dessecada.
[Tradução: Ivan Junqueira]
OS HOMENS OCOS
"A penny for the Old Guy"
(Um pêni para o Velho Guy)
Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada
Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;
Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.
II
Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.
Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo
- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular
III
Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.
E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.
IV
Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos
Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio
Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.
V
Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada
Entre a ideia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa
Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.
[Tradução: Ivan Junqueira]
Thou hast nor youth nor age, But, as it were,
an after dinner's sleep, Dreaming on both.
(William Shakespeare, Measure for Measure,
"Não és jovem nem velho, / mas como, se após o jantar
adormecesses,/ Sonhando que ambos fosses.")
Eis-me aqui, um velho em tempo de seca,
Um jovem lê para mim, enquanto espero a chuva.
Jamais estive entre as ígneas colunas
Nem combati sob as centelhas de chuva
Nem de cutelo em punho, no salgado imerso até os joelhos,
Ferroado de moscardos, combati.
Minha casa é uma casa derruída,
E no peitoril da janela acocora-se o judeu, o dono,
Desovado em algum barzinho de Antuérpia, coberto
De pústulas em Bruxelas, remendado e descascado em Londres.
O bode tosse à noite nas altas pradarias;
Rochas, líquen, pão-dos-pássaros, ferro, bosta.
A mulher cuida da cozinha, faz chá,
Espirra ao cair da noite, cutucando as calhas rabugentas.
E eu, um velho,
Uma cabeça oca entre os vazios do espaço.
Tomaram-se os signos por prodígios: "Queremos um signo!"
A Palavra dentro da palavra, incapaz de dizer uma palavra,
Envolta nas gazes da escuridão. Na adolescência do ano
Veio Cristo, o tigre.
Em maio corrupto, cornisolo e castanha, noz das
faias-da-judeia,
A serem comidas, bebidas, partilhadas
Entre sussurros; pelo Senhor Silvero
Com suas mãos obsequiosas e que, em Limoges,
No quarto ao lado caminhou a noite inteira;
Por Hakagawa, a vergar-se reverente entre os Ticianos;
Por Madame de Tornquist, a remover os castiçais
No quarto escuro, por Fraülein von Kulp,
A mão sobre a porta, que no vestíbulo se voltou.
Navetas ociosas
Tecem o vento. Não tenho fantasmas,
Um velho numa casa onde sibila a ventania
Ao pé desse cômoro esculpido pelas brisas.
Após tanto saber, que perdão? Suponha agora
Que a história engendra muitos e ardilosos labirintos,
estratégicos
Corredores e saídas, que ela seduz com sussurrantes ambições,
Aliciando-nos com vaidades. Suponha agora
Que ela somente algo nos dá enquanto estamos distraídos
E, ao fazê-lo, com tal balbúrdia e controvérsia o oferta
Que a oferenda esfaima o esfomeado. E dá tarde demais
Aquilo em que já não confias, se é que nisto ainda confiavas,
Uma recordação apenas, uma paixão revisitada. E dá cedo
demais
A frágeis mãos. O que pensado foi pode ser dispensado
Até que a rejeição faça medrar o medo. Suponha
Que nem medo nem audácia aqui nos salvem. Nosso heroísmo
Apadrinha vícios postiços. Nossos cínicos delitos
Impõem-nos altas virtudes. Estas lágrimas germinam
De uma árvore em que a ira frutifica.
O tigre salta no ano novo. E nos devora. Enfim suponha
Que a nenhuma conclusão chegamos, pois que deixei
Enrijecer meu corpo numa casa de aluguel. Enfim suponha
Que não dei à toa esse espetáculo
E nem o fiz por nenhuma instigação
De demônios ancestrais. Quanto a isto,
É com franqueza o que te vou dizer.
Eu, que perto de teu coração estive, daí fui apartado,
Perdendo a beleza no terror, o terror na inquisição.
Perdi minha paixão: por que deveria preservá-la
Se tudo o que se guarda acaba adulterado?
Perdi visão, olfato, gosto, tato e audição:
Como agora utilizá-los para de ti me aproximar?
Essas e milhares de outras ponderações
Distendem-lhe os lucros do enregelado delírio,
Excitam-lhe a franja das mucosas, quando os sentidos esfriam;
Com picantes temperos, multiplicam-lhe espetáculos
Numa profusão de espelhos. Que irá fazer a aranha?
Interromper o seu bordado? O gorgulho
Tardará? De Bailhache, Fresca, Madame Cammel, arrastados
Para além da órbita da trêmula Ursa
Num vórtice de espedaçados átomos. A gaivota contra o vento
Nos tempestuosos estreitos da Belle Isle,
Ou em círculos vagando sobre o Horn,
Brancas plumas sobre a neve, o Golfo clama,
E um velho arremessado por alísios
A um canto sonolento.
Inquilinos da morada,
Pensamentos de um cérebro seco numa estação dessecada.
[Tradução: Ivan Junqueira]
OS HOMENS OCOS
"A penny for the Old Guy"
(Um pêni para o Velho Guy)
Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada
Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;
Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.
II
Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.
Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo
- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular
III
Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.
E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.
IV
Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos
Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio
Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.
V
Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada
Entre a ideia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa
Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.
[Tradução: Ivan Junqueira]
Kalinka Serafim |
quarta-feira, 23 de abril de 2014
Dora Ferreira da Silva
PERSÉFONE
A Lua testemunhou teu rapto, quando
colhias violetas e anémonas. Para onde foste,
arrancada à campina pelo sombrio Amante?
Nem tu sabias do tenebroso percurso sob a Terra,
antes tão doce, nem da dança para sempre traçada
e nela teu passo aprisionado, coroada por Hades
com grinalda de romãs pesadas. Kóre Perséfone, rainha,
não dos vivos e da campina em flor, mas das sombras frias.
HADES
Da profunda cisterna da Noite
tuas pupilas perseguiam estrelas frias.
Sombras em torno de ti rondavam. Só lágrimas
e a antiga alegria, pena, a mais severa.
Tudo perdido fora do círculo de deuses
jubilosos. Tuas mãos pediam o fardo cálido,
pressentido na campina e a flor do único sorriso
que te movera além da treva. E ousaste!
Contra leis e deuses. Tocara-te Amor
e tremias sob a Lua sublevada. Flores
perfumaram teu reino. Embora tristonha em seu trono,
Perséfone era o bem que te faltava.
[In Hídrias, São Paulo, Odysseus, 2004, pp. 54- 55].
A Lua testemunhou teu rapto, quando
colhias violetas e anémonas. Para onde foste,
arrancada à campina pelo sombrio Amante?
Nem tu sabias do tenebroso percurso sob a Terra,
antes tão doce, nem da dança para sempre traçada
e nela teu passo aprisionado, coroada por Hades
com grinalda de romãs pesadas. Kóre Perséfone, rainha,
não dos vivos e da campina em flor, mas das sombras frias.
HADES
Da profunda cisterna da Noite
tuas pupilas perseguiam estrelas frias.
Sombras em torno de ti rondavam. Só lágrimas
e a antiga alegria, pena, a mais severa.
Tudo perdido fora do círculo de deuses
jubilosos. Tuas mãos pediam o fardo cálido,
pressentido na campina e a flor do único sorriso
que te movera além da treva. E ousaste!
Contra leis e deuses. Tocara-te Amor
e tremias sob a Lua sublevada. Flores
perfumaram teu reino. Embora tristonha em seu trono,
Perséfone era o bem que te faltava.
[In Hídrias, São Paulo, Odysseus, 2004, pp. 54- 55].
Patricia Ariel |
terça-feira, 22 de abril de 2014
Yves Bonnefoy
O ESPELHO CURVO
Olha-os lá, naquela encruzilhada;
Parecem hesitar depois retomam
A estrada. À frente deles o menino corre,
A braçadas colheram para os poucos vasos
Pelo campo essas flores que nem nome têm.
E o anjo está lá em cima, a observá-los
E envolto pelo vento de suas cores.
Tem um dos braços nu no pano rubro,
Parece que segura um espelho, e que a terra
Se reflete na água dessa outra margem.
E que designa agora, com o dedo
Que aponta nessa imagem um lugar?
Será outra casa ou será outro mundo,
Será mesmo uma porta, em meio à luz
Aqui mesclada às coisas e aos signos?
[In Yves Bonnefoy, Obra Poética, Tradução e org. Mário Laranjeira, São Paulo, Iluminuras, 1998, 235-237]
Olha-os lá, naquela encruzilhada;
Parecem hesitar depois retomam
A estrada. À frente deles o menino corre,
A braçadas colheram para os poucos vasos
Pelo campo essas flores que nem nome têm.
E o anjo está lá em cima, a observá-los
E envolto pelo vento de suas cores.
Tem um dos braços nu no pano rubro,
Parece que segura um espelho, e que a terra
Se reflete na água dessa outra margem.
E que designa agora, com o dedo
Que aponta nessa imagem um lugar?
Será outra casa ou será outro mundo,
Será mesmo uma porta, em meio à luz
Aqui mesclada às coisas e aos signos?
[In Yves Bonnefoy, Obra Poética, Tradução e org. Mário Laranjeira, São Paulo, Iluminuras, 1998, 235-237]
domingo, 20 de abril de 2014
Bruno Cattoni
PRIMEIRO TREINO PARA O VOO INFINITO
Quebrou-se um jarro dentro de meu corpo
A terra fugiu pelos poros
A alma desfolhada ficou imponderável
Como um choro de agonia na madrugada
Esta é minha história
A qual sorte nenhuma ousou se interpor
Esta é a história que fiz
Com mãos, óticas e asas
A carne encontra-se em máxima vitalidade
Amanhã esta mesma se derreterá velozmente
Na vargem das almas que existem — ora, por que não?
E apesar de as negarmos nesta poética chupação de mangas
Esta é a única história que me cabia
A mais recente medida que não valia
Nada ou pouco antes que eu a mensurasse
Esta é a história de uma ação total
Montador de um presépio portentoso
de mastros, velas e destinos
Aquele que viveu em minhas entranhas
Vejo-o a mijar, mijar e mijar
E vai subindo o nível da urina de ouro...
Esta é uma história no fim
Faltando rodapés, corolários, o glossário
Ainda devo deixar de explicar porque vivi anos diários
E abandonei dias seculares
ao sabor dos umbrais inabitados
(Conspirações e inconfidências de um caçador de meninas gerais (1992))
Quebrou-se um jarro dentro de meu corpo
A terra fugiu pelos poros
A alma desfolhada ficou imponderável
Como um choro de agonia na madrugada
Esta é minha história
A qual sorte nenhuma ousou se interpor
Esta é a história que fiz
Com mãos, óticas e asas
A carne encontra-se em máxima vitalidade
Amanhã esta mesma se derreterá velozmente
Na vargem das almas que existem — ora, por que não?
E apesar de as negarmos nesta poética chupação de mangas
Esta é a única história que me cabia
A mais recente medida que não valia
Nada ou pouco antes que eu a mensurasse
Esta é a história de uma ação total
Montador de um presépio portentoso
de mastros, velas e destinos
Aquele que viveu em minhas entranhas
Vejo-o a mijar, mijar e mijar
E vai subindo o nível da urina de ouro...
Esta é uma história no fim
Faltando rodapés, corolários, o glossário
Ainda devo deixar de explicar porque vivi anos diários
E abandonei dias seculares
ao sabor dos umbrais inabitados
(Conspirações e inconfidências de um caçador de meninas gerais (1992))
[In Roteiro da Poesia Brasileira - anos 80, seleção e prefácio Ricardo Vieira Lima, São Paulo: Global, 2010, p. 132].
sábado, 19 de abril de 2014
Porfírio Al Brandão
u m p a n o i m e r s o n a a g o n i a
afastem de mim o ouro azedo das árvores
estou farto
este cão negro persegue-me
e gastei toda a clorofila em sonhos de segunda categoria
[corvos em debandada]
ouço agora a purulência de intempéries constrangidas
os cotovelos livres na angústia
o mamilo de ferro na tábua
por passatempo esvaziar as pombas vezes sem conta
recortar a cidade o céu o mundo
o amor é uma transferência invectivada
mesmo que tardia – a esferográfica sabe disso – lesse
o condenado
cristalizando-se na redacção
onde aflorar ou desnudar é estranheza
a substância que delego em mim
corrosiva a fases de beber fisionomias
sem a nitidez do sexo
difere no tempo pelo grau de apodrecimento
o esqueleto apodera-se do absurdo
como de carne se tratasse – é a fome
dum espírito descarnado
: limpo os ossos
sopro as vértebras fulgurantes no domínio soterrado
a pele empedrada exerce impensável bandeira no que digo
bêbado de esquecimento
um deserto solitário mas não diminuído
antes um terraço
coroa da penetração dos instantes neste meu sangue novo
joelhos de água nos vossos ouvidos
simule ou não o céu com ruínas das abóbadas coronárias
medindo as correias
e a publicidade cega doutros tecidos
há um cofre e um poço – um poço metido dentro dum cofre
em vez dum cofre mergulhado no poço – há raízes
escuridão húmida onde medram as entranhas
noutra dimensão
homogeneizar luz é veneno
anula círculos desavindos por motor natural da porosidade
ruídos da linha férrea nos diálogos
desprende inversões que levam a um aposentamento progressivo
antes o rugido longínquo das trevas que é meu pai
expandir os sentidos para além da estratificação dos pesadelos
ir à cópula do inimaginável ou fingir sentir o advir do devir
expressão da carne mastigada pelos vermes
auspiciosos inquilinos do matadouro
escrevo esperando a reverberação óssea das metáforas
a serem excretadas pela enigmática abstracção
escrevo como se recuperasse eu o vermelho do sangue
como se espumejassem renascidas as vísceras em palpitação
escrevo espacejando os órgãos transmutados
contando com cicatrizes na via-láctea
cinzas de folhas assassinadas
[âmago zoológico]
concreto o fosso intransponível da linguagem
contra o tronco ideológico do polvo
porque a alegoria é das feras despidas de sua verdadeira carne
esfomeadas por remendarem-se a si mesmas
com carnes de herbívoros e moluscos
procuro um hiato onde caiba sem adjectivos
onde possa alinhar minhas raízes vertebrais
configurar consciência no húmus que sou
com toda a aridez possível
e agrafos na língua
por vezes parece que tenho banhistas no palato
apesar da secura e da vulnerabilidade com que falo
faz-me lembrar as praias onde medi o tesão das ondas
esquecendo-me da vegetação do texto
mas também a areia apodrece como as palavras
à luz da candeia pela qual dançam as aparências
: o túmulo é um quarto para roubar ar
– escasso –
uma passagem onde se escorraça o passado
[retracção carburante]
aqui os espelhos são insuportáveis
impregnam a identidade
compelem à repulsa perante a duplicidade da plataforma
porque no rebordo do principal mecanismo
rir é doença
só os túneis resistem à realidade frigorífica
neles sacudo as membranas ilegíveis
filio-me ao obscurantismo doloroso da escrita
[borrasca]
vejo com as mucosas – um jeito intransmissível
de regar o torso dos contextos – o muco
traz luz quando pinga no que
nem ouso tocar
apesar de me assoar a um pano que tresanda a agonia
peço-vos
não tenham medo da carne musical
toda a palavra é
uma glândula na iminência dos sentidos
Fonte: website do autor
afastem de mim o ouro azedo das árvores
estou farto
este cão negro persegue-me
e gastei toda a clorofila em sonhos de segunda categoria
[corvos em debandada]
ouço agora a purulência de intempéries constrangidas
os cotovelos livres na angústia
o mamilo de ferro na tábua
por passatempo esvaziar as pombas vezes sem conta
recortar a cidade o céu o mundo
o amor é uma transferência invectivada
mesmo que tardia – a esferográfica sabe disso – lesse
o condenado
cristalizando-se na redacção
onde aflorar ou desnudar é estranheza
a substância que delego em mim
corrosiva a fases de beber fisionomias
sem a nitidez do sexo
difere no tempo pelo grau de apodrecimento
o esqueleto apodera-se do absurdo
como de carne se tratasse – é a fome
dum espírito descarnado
: limpo os ossos
sopro as vértebras fulgurantes no domínio soterrado
a pele empedrada exerce impensável bandeira no que digo
bêbado de esquecimento
um deserto solitário mas não diminuído
antes um terraço
coroa da penetração dos instantes neste meu sangue novo
joelhos de água nos vossos ouvidos
simule ou não o céu com ruínas das abóbadas coronárias
medindo as correias
e a publicidade cega doutros tecidos
há um cofre e um poço – um poço metido dentro dum cofre
em vez dum cofre mergulhado no poço – há raízes
escuridão húmida onde medram as entranhas
noutra dimensão
homogeneizar luz é veneno
anula círculos desavindos por motor natural da porosidade
ruídos da linha férrea nos diálogos
desprende inversões que levam a um aposentamento progressivo
antes o rugido longínquo das trevas que é meu pai
expandir os sentidos para além da estratificação dos pesadelos
ir à cópula do inimaginável ou fingir sentir o advir do devir
expressão da carne mastigada pelos vermes
auspiciosos inquilinos do matadouro
escrevo esperando a reverberação óssea das metáforas
a serem excretadas pela enigmática abstracção
escrevo como se recuperasse eu o vermelho do sangue
como se espumejassem renascidas as vísceras em palpitação
escrevo espacejando os órgãos transmutados
contando com cicatrizes na via-láctea
cinzas de folhas assassinadas
[âmago zoológico]
concreto o fosso intransponível da linguagem
contra o tronco ideológico do polvo
porque a alegoria é das feras despidas de sua verdadeira carne
esfomeadas por remendarem-se a si mesmas
com carnes de herbívoros e moluscos
procuro um hiato onde caiba sem adjectivos
onde possa alinhar minhas raízes vertebrais
configurar consciência no húmus que sou
com toda a aridez possível
e agrafos na língua
por vezes parece que tenho banhistas no palato
apesar da secura e da vulnerabilidade com que falo
faz-me lembrar as praias onde medi o tesão das ondas
esquecendo-me da vegetação do texto
mas também a areia apodrece como as palavras
à luz da candeia pela qual dançam as aparências
: o túmulo é um quarto para roubar ar
– escasso –
uma passagem onde se escorraça o passado
[retracção carburante]
aqui os espelhos são insuportáveis
impregnam a identidade
compelem à repulsa perante a duplicidade da plataforma
porque no rebordo do principal mecanismo
rir é doença
só os túneis resistem à realidade frigorífica
neles sacudo as membranas ilegíveis
filio-me ao obscurantismo doloroso da escrita
[borrasca]
vejo com as mucosas – um jeito intransmissível
de regar o torso dos contextos – o muco
traz luz quando pinga no que
nem ouso tocar
apesar de me assoar a um pano que tresanda a agonia
peço-vos
não tenham medo da carne musical
toda a palavra é
uma glândula na iminência dos sentidos
Fonte: website do autor
Audrey Phillips |
sexta-feira, 18 de abril de 2014
Sophia de Mello Breyner Andresen
TÚMULO DE LORCA
Em ti choramos os outros mortos todos
Os que foram fuzilados em vigílias sem data
Os que se perdem sem nome na sombra das cadeias
Tão ignorados que nem sequer podemos
Perguntar por eles imaginar seu rosto
Choramos sem consolação aqueles que sucumbem
Entre os cornos da raiva sob o peso da força
Não podemos aceitar. O teu sangue não seca
Não repousamos em paz na tua morte
A hora da tua morte continua próxima e veemente
E a terra onde abriram a tua sepultura
E semelhante à ferida que não fecha
O teu sangue não encontrou nem foz nem saída
De Norte a Sul de Leste a Oeste
Estamos vivendo afogados no teu sangue
A lisa cal de cada muro branco
Escreve que tu foste assassinado
Não podemos aceitar. O processo não cessa
Pois nem tu foste poupado à patada da besta
A noite não pode beber nossa tristeza
E por mais que te escondam não ficas sepultado
[In Geografia, OBRA POÉTICA, Alfragide, Caminho, 2011, p. 461].
Em ti choramos os outros mortos todos
Os que foram fuzilados em vigílias sem data
Os que se perdem sem nome na sombra das cadeias
Tão ignorados que nem sequer podemos
Perguntar por eles imaginar seu rosto
Choramos sem consolação aqueles que sucumbem
Entre os cornos da raiva sob o peso da força
Não podemos aceitar. O teu sangue não seca
Não repousamos em paz na tua morte
A hora da tua morte continua próxima e veemente
E a terra onde abriram a tua sepultura
E semelhante à ferida que não fecha
O teu sangue não encontrou nem foz nem saída
De Norte a Sul de Leste a Oeste
Estamos vivendo afogados no teu sangue
A lisa cal de cada muro branco
Escreve que tu foste assassinado
Não podemos aceitar. O processo não cessa
Pois nem tu foste poupado à patada da besta
A noite não pode beber nossa tristeza
E por mais que te escondam não ficas sepultado
[In Geografia, OBRA POÉTICA, Alfragide, Caminho, 2011, p. 461].
Parque Federico García Lorca Granada |
quinta-feira, 17 de abril de 2014
Mariana Ianelli
OS TEUS OLHOS
Que estejam vivos em algum lugar
Os teus olhos -
Os teus olhos -
Não importa onde se demorem,
Que coisas afaguem, que outras molestem,
Importa que estejam vivos e curiosos
Esses olhos
Importa que estejam vivos e curiosos
Esses olhos
E olhem para dentro alguma vez
E o que vejam
E o que vejam
Seja alguma força de sequoia
Presa à terra desde o império
De outros tempos
Presa à terra desde o império
De outros tempos
E seja ainda uma fonte de pedra,
Sejam águas correntes e o privilégio
De uma calma repleta
(O regozijo da sombra
Passado o terror das guerras)
De uma calma repleta
(O regozijo da sombra
Passado o terror das guerras)
Que dessa multidão, desse rubor de sumo
E segredo de floresta
Se encham os teus olhos,
E segredo de floresta
Se encham os teus olhos,
E só então se esfumem, e só então se fechem.
[In O AMOR E DEPOIS, São Paulo, Iluminuras, 2012, p. 43]
quarta-feira, 16 de abril de 2014
Vinicius de Moraes
SONETO DO GATO MORTO
Um gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade
De ter sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade.
Por isso ele está sempre a rir de cada
Um de nós, e ao morrer perde o veludo
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto
Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
Que um gato morto.
[In Nova antologia poética. Org. por Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2008].
Sobre Vinicius de Moraes
Um gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade
De ter sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade.
Por isso ele está sempre a rir de cada
Um de nós, e ao morrer perde o veludo
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto
Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
Que um gato morto.
[In Nova antologia poética. Org. por Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2008].
Sobre Vinicius de Moraes
terça-feira, 15 de abril de 2014
António Carlos Cortez
RESPOSTA A DRUMMOND
É sempre no meu sempre aquele nunca
é sempre nesse nunca aquele agora
é sempre nesse agora aquele nada
No mesmo nada encontro sempre tudo
mesmo se o mundo é nada sempre assim
mesmo se assim tudo me desperta
e eu me desperto a adormecer no fim
de cada dia de trabalho errado
em cada hora de um amor mal feito
e digo mesmo se este mundo vale
a expectativa de querer ser sempre
aquela esp’rança onde o bem e o mal
se aliam sempre para quem conserva
o sonho ou a fúria de não estar sonhando
Mas novamente dói a dor no peito
e dói no corpo o que nos vai passando
mágoas ou risos ou o grito dado
e logo atirado para um vale escuro
onde não oiçamos a revolta infinda
de vivermos os dias nesta escura selva
a que nem Dante chamou talvez de vida
a que chamamos coisa e porém amamos
Sempre este querer de violência tanta
e esta crença de que o canto estale
e o dia venha porque nós lutamos
para além das forças que supomos nossas
para além dos sonhos que já não esperamos
para além do verso e do corpo gasto
Sempre este homem que se vai cansando
sempre estes ossos em que equilibramos
esta carne frágil este dia vasto
esta vida feita no que é morte nela
este amor sujeito ao que é sempre efémero
este ódio ao mundo que é amor eterno
[In Depois de Dezembro. Lisboa, Licorne, 2010].
Sobre António Carlos Cortez
É sempre no meu sempre aquele nunca
é sempre nesse nunca aquele agora
é sempre nesse agora aquele nada
No mesmo nada encontro sempre tudo
mesmo se o mundo é nada sempre assim
mesmo se assim tudo me desperta
e eu me desperto a adormecer no fim
de cada dia de trabalho errado
em cada hora de um amor mal feito
e digo mesmo se este mundo vale
a expectativa de querer ser sempre
aquela esp’rança onde o bem e o mal
se aliam sempre para quem conserva
o sonho ou a fúria de não estar sonhando
Mas novamente dói a dor no peito
e dói no corpo o que nos vai passando
mágoas ou risos ou o grito dado
e logo atirado para um vale escuro
onde não oiçamos a revolta infinda
de vivermos os dias nesta escura selva
a que nem Dante chamou talvez de vida
a que chamamos coisa e porém amamos
Sempre este querer de violência tanta
e esta crença de que o canto estale
e o dia venha porque nós lutamos
para além das forças que supomos nossas
para além dos sonhos que já não esperamos
para além do verso e do corpo gasto
Sempre este homem que se vai cansando
sempre estes ossos em que equilibramos
esta carne frágil este dia vasto
esta vida feita no que é morte nela
este amor sujeito ao que é sempre efémero
este ódio ao mundo que é amor eterno
[In Depois de Dezembro. Lisboa, Licorne, 2010].
Sobre António Carlos Cortez
segunda-feira, 14 de abril de 2014
Ailton Volpato
ARBÓREO
A árvore e os seus ramos
espalhados sobre o lago -
era vivo o músico morto
ou estava no erro a peça
última de sua obra, como
boia singrando cerrada
por ondas (in)ventadas?
arbóreo fora o peito do mundo,
selvagem como a voz dos ventos
arrombando as janelas da infância -
a árvore que via, quixoteana memória,
montava a cavalo com a lança desembainhada
riscando o trajeto em seus trejeitos:
eram caminhos sobre espantos,
raízes atravessadas nos olhos;
ninhos eras órgãos engendrando vida,
ensaiando voos
litania clássica - ainda me arrependo -
e a videira me estende seus sarmentos.
(Inédito. Proibida a reprodução)
A árvore e os seus ramos
espalhados sobre o lago -
era vivo o músico morto
ou estava no erro a peça
última de sua obra, como
boia singrando cerrada
por ondas (in)ventadas?
arbóreo fora o peito do mundo,
selvagem como a voz dos ventos
arrombando as janelas da infância -
a árvore que via, quixoteana memória,
montava a cavalo com a lança desembainhada
riscando o trajeto em seus trejeitos:
eram caminhos sobre espantos,
raízes atravessadas nos olhos;
ninhos eras órgãos engendrando vida,
ensaiando voos
litania clássica - ainda me arrependo -
e a videira me estende seus sarmentos.
(Inédito. Proibida a reprodução)
domingo, 13 de abril de 2014
Weydson Barros Leal
GERAZ
O encanto é seu espelho. O doce espelho
que guarda do outro lado a mão que o toca,
mas não permite o ganho de contê-lo.
Pois é estranho como num só dia
nascem a alegria e o sofrimento,
e a pétala do bem também é o mal
que se resfria ao toque do metal.
A vida é este encontro mas também
é afastamento: o pão que agora é doce,
amanhã é o amargo do centeio,
e a tal proximidade desse espelho
faz crescer a vontade que faz mal...
A sede deste encanto não sacia,
pois feito o pão do amor também é sal.
[In A Quarta Cruz, Rio de Janeiro: Topbooks, 2009, p. 45]
O encanto é seu espelho. O doce espelho
que guarda do outro lado a mão que o toca,
mas não permite o ganho de contê-lo.
Pois é estranho como num só dia
nascem a alegria e o sofrimento,
e a pétala do bem também é o mal
que se resfria ao toque do metal.
A vida é este encontro mas também
é afastamento: o pão que agora é doce,
amanhã é o amargo do centeio,
e a tal proximidade desse espelho
faz crescer a vontade que faz mal...
A sede deste encanto não sacia,
pois feito o pão do amor também é sal.
[In A Quarta Cruz, Rio de Janeiro: Topbooks, 2009, p. 45]
Marsden Hartley |
sábado, 12 de abril de 2014
Murilo Mendes
SEGUNDA MEDITAÇÃO
Ó Deus abandonado
Tu te consolas na tua solitária justiça,
Tu te consolas
Dos que não te amam nem te reconhecem,
Dos que coroam de flores a estátua do Tempo
E te voltam a face e os pés.
Tu te consolas no teu próprio equilíbrio
Insondável ao olhar e ao espírito do homem.
Tu te consolas na geração incessante do teu Verbo
E no amor em espiral do teu Espírito.
Tu te consolas sem auxílio da natureza,
Sem o ritmo e o vaivém das asas dos arcanjos,
Tu te consolas sem consolo
No infinito íntimo que revelaste ao homem
E que ele resistente rejeita.
Ó Deus absurdo e nu
Tu te consolas no teu próprio conhecimento
E na qualidade de seres em ti mesmo eterno.
Ó Deus ácido
Tu te consolas dos criminosos,
Dos homens que romperam a tua e a sua lei.
Tu te consolas da morte
Que o homem quis conhecer e provocou,
Tu te consolas dos massacres e misérias que consentes
Mas a tua face não regista a angústia
Porque és anterior e posterior a todo sofrimento.
Ó Deus
Tu te consolas da crucifixão e morte do teu Filho unigênito
Porque podes gerá-lo eternamente e agora
Conhecendo que pela sua morte ele matou a morte.
Na tua plenitude e perfeição
Tu te consolas do desvio da tua raça terrestre.
O homem se transformará no teu conhecimento
Mesmo árido,
Mesmo em parcela e enigma,
Captando assim o infinito íntimo
Que um dia lhe deste em testamento.
[In Poesia Completa e Prosa, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, pp. 772-773].
Ó Deus abandonado
Tu te consolas na tua solitária justiça,
Tu te consolas
Dos que não te amam nem te reconhecem,
Dos que coroam de flores a estátua do Tempo
E te voltam a face e os pés.
Tu te consolas no teu próprio equilíbrio
Insondável ao olhar e ao espírito do homem.
Tu te consolas na geração incessante do teu Verbo
E no amor em espiral do teu Espírito.
Tu te consolas sem auxílio da natureza,
Sem o ritmo e o vaivém das asas dos arcanjos,
Tu te consolas sem consolo
No infinito íntimo que revelaste ao homem
E que ele resistente rejeita.
Ó Deus absurdo e nu
Tu te consolas no teu próprio conhecimento
E na qualidade de seres em ti mesmo eterno.
Ó Deus ácido
Tu te consolas dos criminosos,
Dos homens que romperam a tua e a sua lei.
Tu te consolas da morte
Que o homem quis conhecer e provocou,
Tu te consolas dos massacres e misérias que consentes
Mas a tua face não regista a angústia
Porque és anterior e posterior a todo sofrimento.
Ó Deus
Tu te consolas da crucifixão e morte do teu Filho unigênito
Porque podes gerá-lo eternamente e agora
Conhecendo que pela sua morte ele matou a morte.
Na tua plenitude e perfeição
Tu te consolas do desvio da tua raça terrestre.
O homem se transformará no teu conhecimento
Mesmo árido,
Mesmo em parcela e enigma,
Captando assim o infinito íntimo
Que um dia lhe deste em testamento.
[In Poesia Completa e Prosa, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, pp. 772-773].
sexta-feira, 11 de abril de 2014
Antonio Gamoneda
CANÇÃO DO SOLITÁRIO
Harmonioso é o voo dos pássaros. Nos prados cristalinos dos cervos, os verdes bosques se encontram ao crepúsculo em torno às cabanas silenciosas.
A escuridão torna mais tênue o murmúrio das águas. Úmidas sombras surgem
e, melodiosas no vento, também surgem as flores do verão.
Anoitece na cabeça do homem pensativo e uma chama de bondade arde no seu coração.
Serenidade da ceia: o pão e o vinho são abençoados pelas mãos de Deus
e, silenciosamente, teu irmão, com seus olhos noturnos, descansa dos caminhos espinhosos.
Ah viver no azul e no espírito da noite.
Nos quartos, o silêncio cerca de ternura a sombra dos antepassados,
os martírios avermelhados, o lamento de uma estirpe
que, piedosa, se extingue com o seu último descendente.
No umbral de pedra o enfermo desperta das negras horas da loucura
e lhe cercam o fresco azul, o luminoso declinar do outono,
o sossego da casa e as lendas do bosque.
Esta é a medida e o preceito, assim são os caminhos lunares
daqueles que fogem à proximidade da morte.
[In Esta luz, Poesía Reunida (1947-2004), Barcelona, Círculo de Lectores, S.A./ Galaxia Gutenberg, 2010, pp. 571-572].
Harmonioso é o voo dos pássaros. Nos prados cristalinos dos cervos, os verdes bosques se encontram ao crepúsculo em torno às cabanas silenciosas.
A escuridão torna mais tênue o murmúrio das águas. Úmidas sombras surgem
e, melodiosas no vento, também surgem as flores do verão.
Anoitece na cabeça do homem pensativo e uma chama de bondade arde no seu coração.
Serenidade da ceia: o pão e o vinho são abençoados pelas mãos de Deus
e, silenciosamente, teu irmão, com seus olhos noturnos, descansa dos caminhos espinhosos.
Ah viver no azul e no espírito da noite.
Nos quartos, o silêncio cerca de ternura a sombra dos antepassados,
os martírios avermelhados, o lamento de uma estirpe
que, piedosa, se extingue com o seu último descendente.
No umbral de pedra o enfermo desperta das negras horas da loucura
e lhe cercam o fresco azul, o luminoso declinar do outono,
o sossego da casa e as lendas do bosque.
Esta é a medida e o preceito, assim são os caminhos lunares
daqueles que fogem à proximidade da morte.
[In Esta luz, Poesía Reunida (1947-2004), Barcelona, Círculo de Lectores, S.A./ Galaxia Gutenberg, 2010, pp. 571-572].
quinta-feira, 10 de abril de 2014
Emílio Moura
POEMA
DE que nos valerá todo esse esforço para recuperar
[de uma hora para outra a perdida serenidade ?
De que nos valerá todo esse esforço, se o mal não
está no gesto desesperado desses horizontes que
[se fecharam ?
Se ele não está nessas algemas inexoráveis que a
[mão do homem forjou para a mão do homem ?
De que nos valerá todo esse esforço, se o mal não
está no grito lancinante desses trens ininterruptos
que lá vão esmigalhando cabeças dentro da
[noite ?
De que nos valerá tudo isso, se o mal está mas é na
ausência da simplicidade que desertou, já faz
[tanto tempo, da face fria e desesperada da terra?
De que nos valerá tudo isso, se o mal está mas é na
[ressurreição de Caim ?
[In POESIA 1932-1948, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1953, pp. 261-262]
DE que nos valerá todo esse esforço para recuperar
[de uma hora para outra a perdida serenidade ?
De que nos valerá todo esse esforço, se o mal não
está no gesto desesperado desses horizontes que
[se fecharam ?
Se ele não está nessas algemas inexoráveis que a
[mão do homem forjou para a mão do homem ?
De que nos valerá todo esse esforço, se o mal não
está no grito lancinante desses trens ininterruptos
que lá vão esmigalhando cabeças dentro da
[noite ?
De que nos valerá tudo isso, se o mal está mas é na
ausência da simplicidade que desertou, já faz
[tanto tempo, da face fria e desesperada da terra?
De que nos valerá tudo isso, se o mal está mas é na
[ressurreição de Caim ?
[In POESIA 1932-1948, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1953, pp. 261-262]
quarta-feira, 9 de abril de 2014
José Paulo Paes
MUNDO NOVO
Como estás vendo, não valeu a pena tanto esforço:
a urgência na construção da Arca
o rigor na escolha dos sobreviventes
a monotonia da vida a bordo desde os primeiros dias
a carestia aceita com resmungos nos últimos dias
os olhos cansados de buscar um sol continuamente adiado.
E no entanto sabias de antemão que seria assim. Sabias que
a pomba iria trazer não um ramo de oliva mas de
espinheiro.
Sabias e não disseste nada a nós, teus tripulantes, que ora
vês lavrando com as mesmas enxadas de Caim e Abel
a terra mal enxuta do Dilúvio.
Aliás, se nos dissesses, nós não te acreditaríamos.
[In Prosas seguidas de Odes Mínimas, São Paulo:Companhia das Letras, 2010, p. 47]
Como estás vendo, não valeu a pena tanto esforço:
a urgência na construção da Arca
o rigor na escolha dos sobreviventes
a monotonia da vida a bordo desde os primeiros dias
a carestia aceita com resmungos nos últimos dias
os olhos cansados de buscar um sol continuamente adiado.
E no entanto sabias de antemão que seria assim. Sabias que
a pomba iria trazer não um ramo de oliva mas de
espinheiro.
Sabias e não disseste nada a nós, teus tripulantes, que ora
vês lavrando com as mesmas enxadas de Caim e Abel
a terra mal enxuta do Dilúvio.
Aliás, se nos dissesses, nós não te acreditaríamos.
[In Prosas seguidas de Odes Mínimas, São Paulo:Companhia das Letras, 2010, p. 47]
Carlo Saraceni |
terça-feira, 8 de abril de 2014
Fiama Hasse Pais Brandão
O PODADOR
Devagar a tesoura poda o arbusto
tornando-o de realidade em desejo
da forma. O que me atrai, a flor,
a folha de fuligem, os troncos curvos
para os pardais escuros e ocultos.
Devagar os ramos caem e os que o
podador despreza vão entrar na gé-
nese da nova terra. É inevitável
que tudo isto me crie nostalgia.
Não há um estalido simples, corte só,
nem morte só, a morte daqueles
ramos estendidos pelo gradeamento
a viver naturalmente entretanto.
O podador escolhe assim a aparên-
cia da obra que devagar executa,
na ordem e no capricho da folhagem
para sempre jovem e ágil.
Carcavelos, 1985
[In Obra Breve Poesia Reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2006, pp. 463].
Devagar a tesoura poda o arbusto
tornando-o de realidade em desejo
da forma. O que me atrai, a flor,
a folha de fuligem, os troncos curvos
para os pardais escuros e ocultos.
Devagar os ramos caem e os que o
podador despreza vão entrar na gé-
nese da nova terra. É inevitável
que tudo isto me crie nostalgia.
Não há um estalido simples, corte só,
nem morte só, a morte daqueles
ramos estendidos pelo gradeamento
a viver naturalmente entretanto.
O podador escolhe assim a aparên-
cia da obra que devagar executa,
na ordem e no capricho da folhagem
para sempre jovem e ágil.
Carcavelos, 1985
[In Obra Breve Poesia Reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2006, pp. 463].
segunda-feira, 7 de abril de 2014
Maria Lúcia Dal Farra
A MÃO
Como é raso o entendimento da vida:
planícies com disciplinados desníveis
em organizados degraus
(poucos, aliás);
um ou outro pequeno grupo
à espera de milagres;
céu de cenário indicando bem-estar
— e (todavia)
eu,
no meu instrumento de tortura
que me penetra de alto a baixo,
cetro soberano
a suspender a outra versão de mim
(cabelos que destampam o rosto fácil)
e a grande mão que estendo
(de benevolência)
para as esperanças frugais.
Pareço por acaso
comodamente instalada na minha
temperança?
[In Alumbramentos, São Paulo, Iluminuras, 2011, p. 74].
Como é raso o entendimento da vida:
planícies com disciplinados desníveis
em organizados degraus
(poucos, aliás);
um ou outro pequeno grupo
à espera de milagres;
céu de cenário indicando bem-estar
— e (todavia)
eu,
no meu instrumento de tortura
que me penetra de alto a baixo,
cetro soberano
a suspender a outra versão de mim
(cabelos que destampam o rosto fácil)
e a grande mão que estendo
(de benevolência)
para as esperanças frugais.
Pareço por acaso
comodamente instalada na minha
temperança?
[In Alumbramentos, São Paulo, Iluminuras, 2011, p. 74].
SALVADOR DALI |
domingo, 6 de abril de 2014
Paulo Plínio Abreu
ELEGIA EM 1941
Ouço o teu canto estranha amada das regiões perdidas.
Teus cabelos desfeitos têm o encanto dos sonhos
Eu um dia te vi brilhar como as estrelas do fundo da infância
Hoje eu te sigo os olhos pelos mares e vejo os arco-iris
Estranha amada que um dia cantou no tempo desaparecido
As estrelas nasciam e doente eu bebia a água fria das grutas.
Um dia eu te ouvi.
Teu canto é puro e se mistura com o rumor do mar e nos convida
Teu canto é triste como os navios da morte.
Tua voz é grande como as boias que nos habitaram
Teus olhos são como as estrelas.
Estranha amada. Ouço o teu canto e sinto-me perdido.
Para onde me levarás na grande noite triste quando depois dos grandes
sonhos a lua desaparecer no céu?
[In Poesia, Belém, Universidade Federal do Pará, Belém, 2008, p. 63]
Ouço o teu canto estranha amada das regiões perdidas.
Teus cabelos desfeitos têm o encanto dos sonhos
Eu um dia te vi brilhar como as estrelas do fundo da infância
Hoje eu te sigo os olhos pelos mares e vejo os arco-iris
Estranha amada que um dia cantou no tempo desaparecido
As estrelas nasciam e doente eu bebia a água fria das grutas.
Um dia eu te ouvi.
Teu canto é puro e se mistura com o rumor do mar e nos convida
Teu canto é triste como os navios da morte.
Tua voz é grande como as boias que nos habitaram
Teus olhos são como as estrelas.
Estranha amada. Ouço o teu canto e sinto-me perdido.
Para onde me levarás na grande noite triste quando depois dos grandes
sonhos a lua desaparecer no céu?
[In Poesia, Belém, Universidade Federal do Pará, Belém, 2008, p. 63]
sexta-feira, 4 de abril de 2014
Else Lasker-Schüler
MINHA CANÇÃO, MEU SILÊNCIO
Meu coração é um tempo triste,
Num tique-taque emudecido.
Minha mãe tinha asas douradas,
Que não encontravam mundo.
Ouçam, ela se pôs a minha procura,
Com seus dedos de luz e pés de sonho errante.
E o tempo bom que brisa azul
Sempre aquece meu sono
Nas noites,
Cujos dias usam a coroa de minha mãe.
Bebo da lua o vinho tranquilo,
Quando a noite cai só.
Minhas canções tinham do verão os azuis
E voltavam sombrias para casa.
De meu lábio vocês debochavam,
Mas ainda falam com ele.
Sim, tentei segurar suas mãos,
Pois meu amor é uma criança e quer brincar.
O primeiro, tomei-o de vocês,
E também o segundo, beijei-o,
Mas meus olhares se voltam para trás
Na direção de minha alma.
Tornei-me pobre
De seus favores mendicantes.
Ignorava o estar doente,
E agora estou doente de vocês,
E nada é mais furtivo que a doença,
Que da vida quebra os pés,
Rouba a luz ao caminho da cova
E difama a morte.
Meu olho
É o cume do tempo,
Seu brilho beija
As barras de Deus.
E ainda vou dizer mais,
Antes que entre nós escureça.
Se, entre todos, você for o mais jovem,
Saberá do que em mim é o mais antigo.
Os mundos todos brincarão
De agora em diante em tua alma.
E a noite vai se queixar
Ao dia.
Sou o hieróglifo
Sob toda criação.
E saí a vocês,
Em causa da saudade por causa do humano.
Arranquei de meus olhos os evos do olhar,
De meus lábios, a luz vitoriosa —
Pense num prisioneiro mais difícil,
Num mago mais malvado: eis-me aqui.
Meus braços, na querença de se erguer,
Tombam...
[Tradução de Mauricio Mendonça Cardozo, In Belas Infiéis, Revista do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Nacional de Brasília, v. 1, n. 1, p. 203-209, 2012].
Meu coração é um tempo triste,
Num tique-taque emudecido.
Minha mãe tinha asas douradas,
Que não encontravam mundo.
Ouçam, ela se pôs a minha procura,
Com seus dedos de luz e pés de sonho errante.
E o tempo bom que brisa azul
Sempre aquece meu sono
Nas noites,
Cujos dias usam a coroa de minha mãe.
Bebo da lua o vinho tranquilo,
Quando a noite cai só.
Minhas canções tinham do verão os azuis
E voltavam sombrias para casa.
De meu lábio vocês debochavam,
Mas ainda falam com ele.
Sim, tentei segurar suas mãos,
Pois meu amor é uma criança e quer brincar.
O primeiro, tomei-o de vocês,
E também o segundo, beijei-o,
Mas meus olhares se voltam para trás
Na direção de minha alma.
Tornei-me pobre
De seus favores mendicantes.
Ignorava o estar doente,
E agora estou doente de vocês,
E nada é mais furtivo que a doença,
Que da vida quebra os pés,
Rouba a luz ao caminho da cova
E difama a morte.
Meu olho
É o cume do tempo,
Seu brilho beija
As barras de Deus.
E ainda vou dizer mais,
Antes que entre nós escureça.
Se, entre todos, você for o mais jovem,
Saberá do que em mim é o mais antigo.
Os mundos todos brincarão
De agora em diante em tua alma.
E a noite vai se queixar
Ao dia.
Sou o hieróglifo
Sob toda criação.
E saí a vocês,
Em causa da saudade por causa do humano.
Arranquei de meus olhos os evos do olhar,
De meus lábios, a luz vitoriosa —
Pense num prisioneiro mais difícil,
Num mago mais malvado: eis-me aqui.
Meus braços, na querença de se erguer,
Tombam...
[Tradução de Mauricio Mendonça Cardozo, In Belas Infiéis, Revista do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Nacional de Brasília, v. 1, n. 1, p. 203-209, 2012].
Henry Fuselli |
quinta-feira, 3 de abril de 2014
Cláudio Willer
CENAS DA VIDA URBANA
VI
Tua ausência é um líquido azulado que escorre pelas cavernas da imaginação. Um povo de gigantes sustenta os polos da memória, o cogumelo das nuvens prepara-se para a autodevoração, sístoles e diástoles ressoam pelos labirintos da vida. Catedrais começam a rolar pela encosta, e a cegueira dos pulmões nos leva a nada. Sem memória nos emaranhamos em fios de decadência.
Uma sinfonia sutil, soando a partir do meu pé esquerdo, leva-me à levitação. Nomear teu nome é romper o equilíbrio da balança: miríades de horticultores, enlouquecidos, passariam a dedicar-se à predação.
A consagração era prevista: chegará a hora das colisões. Meu infinito pessoal recolhe as imagens da mão do cadáver; pouca coisa nos resta: alguns espiões, um retângulo, a hesitação sem fronteiras. É preciso sair, o quanto antes, das campânulas que circundam o abismo.
Dias circulares (1976)
[In: Roteiro da Poesia Brasileira - anos 60, seleção e prefácio Pedro Lyra, São Paulo: Global, 2011, p. 106].
Sobre Cláudio Willer
VI
Tua ausência é um líquido azulado que escorre pelas cavernas da imaginação. Um povo de gigantes sustenta os polos da memória, o cogumelo das nuvens prepara-se para a autodevoração, sístoles e diástoles ressoam pelos labirintos da vida. Catedrais começam a rolar pela encosta, e a cegueira dos pulmões nos leva a nada. Sem memória nos emaranhamos em fios de decadência.
Uma sinfonia sutil, soando a partir do meu pé esquerdo, leva-me à levitação. Nomear teu nome é romper o equilíbrio da balança: miríades de horticultores, enlouquecidos, passariam a dedicar-se à predação.
A consagração era prevista: chegará a hora das colisões. Meu infinito pessoal recolhe as imagens da mão do cadáver; pouca coisa nos resta: alguns espiões, um retângulo, a hesitação sem fronteiras. É preciso sair, o quanto antes, das campânulas que circundam o abismo.
Dias circulares (1976)
[In: Roteiro da Poesia Brasileira - anos 60, seleção e prefácio Pedro Lyra, São Paulo: Global, 2011, p. 106].
Sobre Cláudio Willer
quarta-feira, 2 de abril de 2014
Murilo Mendes
A GRANDE CEIA
Eu quero dar uma grande ceia aos deserdados — aos tímidos — aos desconsolados — aos oprimidos — aos humildes — aos doentes incuráveis de amor — às prostitutas que olham pela rótula, sem coragem de chamar os clientes.
Eu quero dar uma grande ceia aos que enxergam demais — aos desesperados com esperança — aos rebelados contra Deus, mais próximos a mim do que os indiferentes.
Eu quero dar uma grande ceia aos poetas que não sabem se exprimir — aos amantes reciprocamente saciados — aos covardes que não podem se matar.
Eu quero dar uma grande ceia aos desertores da lei humana — aos que apenas conseguem destruir — aos que receberam o inferno por herança.
Servi-vos de mim, derrotados. Eu vos considerarei a cada um como uma parte dispersada de mim mesmo. Presidirei vossas angústias e miséria:. Retalhai-me, dividi meu coração em pedaços; então se terá cumprido um claro mistério de Deus.
[In Poesia Completa e Prosa, Nova Aguilar: Rio de Janeiro, 1994, p. 762].
Eu quero dar uma grande ceia aos deserdados — aos tímidos — aos desconsolados — aos oprimidos — aos humildes — aos doentes incuráveis de amor — às prostitutas que olham pela rótula, sem coragem de chamar os clientes.
Eu quero dar uma grande ceia aos que enxergam demais — aos desesperados com esperança — aos rebelados contra Deus, mais próximos a mim do que os indiferentes.
Eu quero dar uma grande ceia aos poetas que não sabem se exprimir — aos amantes reciprocamente saciados — aos covardes que não podem se matar.
Eu quero dar uma grande ceia aos desertores da lei humana — aos que apenas conseguem destruir — aos que receberam o inferno por herança.
Servi-vos de mim, derrotados. Eu vos considerarei a cada um como uma parte dispersada de mim mesmo. Presidirei vossas angústias e miséria:. Retalhai-me, dividi meu coração em pedaços; então se terá cumprido um claro mistério de Deus.
[In Poesia Completa e Prosa, Nova Aguilar: Rio de Janeiro, 1994, p. 762].
Andre Derain |
terça-feira, 1 de abril de 2014
Philip Larkin
OS VELHOS IMBECIS
Que pensam eles que aconteceu, os velhos imbecis,
Para os tornar nisto? Acaso lhes parece
Que é mais adulto quando a boca descai e te babas,
E te mijas outra vez, e não recordas
Quem veio esta manhã? Ou que, se pudessem escolher,
Fariam recuar as coisas a quando dançavam toda a noite,
Ou se casaram, ou assentaram praça num Setembro qualquer?
Ou imaginarão que realmente nada se alterou,
E que sempre se comportaram como se fossem aleijados ou inábeis,
Ou ficaram sentados dias a fio de fraco sonhar contínuo
Vendo a luz mudar? Se não o fazem (e não podem), é estranho:
Porque não gritam?
Ao morrer, desfazes-te: os bocados de que eras feito
Apressam-se a separar-se para sempre
Sem ninguém ver. É apenas esquecimento, é verdade:
Sabiamo-lo antes, mas então caminhava-se ainda para o fim,
E todo o tempo era afundado num esforço único
Para fazer desabrochar a flor de mil pétalas
De estar aqui. À próxima não podes fingir
Que haverá algo mais. E são estes os primeiros sinais:
Não saber como, não ouvir quem, perdida
A capacidade de escolha. Pelo aspecto sabe-se que estão acabados:
Cabelos cinza, mãos sapudas, cara enrugada de ameixa seca -
Como conseguem ignorá-lo?
Talvez ser velho seja ter quartos iluminados
Dentro da tua cabeça, e gente neles, representando.
Gente que conheces, mas não sabes nomear: cada um aparece
Como uma profunda perda recuperada, vindo de portas conhecidas,
Pousando um candeeiro, sorrindo de uma escada, tirando
Um livro conhecido das estantes; ou por vezes apenas
Só os quartos, cadeiras e um lume acesso.
O arbusto soprado na janela, ou a pálida
Amizade do sol na parede de algum solitário
Fim de tarde de verão depois da chuva. É aí que eles vivem:
Não aqui e agora, mas onde tudo outrora aconteceu.
É por isso que eles mostram
Um ar de ausência confusa, esforçando-se por estar lá
Já estando aqui. Porque os quartos afastam-se, deixando
Um frio inqualificável, o desgaste constante
De retomar a respiração, e eles curvados sob
A montanha da extinção, os velhos imbecis, sem nunca perceberem
Quão próxima está. Deve ser isto que os mantém calados:
O cume que se avista onde quer que vamos
Para eles é um pequeno monte. Não saberão nunca
O que os arrasta para trás, e como irá acabar? Nem de noite?
Nem quando os estranhos vêm? Nunca, durante
Toda esta odiosa infância invertida? Bom,
Havemos de descobrir.
[Tradução: Paulo José Miranda]
Que pensam eles que aconteceu, os velhos imbecis,
Para os tornar nisto? Acaso lhes parece
Que é mais adulto quando a boca descai e te babas,
E te mijas outra vez, e não recordas
Quem veio esta manhã? Ou que, se pudessem escolher,
Fariam recuar as coisas a quando dançavam toda a noite,
Ou se casaram, ou assentaram praça num Setembro qualquer?
Ou imaginarão que realmente nada se alterou,
E que sempre se comportaram como se fossem aleijados ou inábeis,
Ou ficaram sentados dias a fio de fraco sonhar contínuo
Vendo a luz mudar? Se não o fazem (e não podem), é estranho:
Porque não gritam?
Ao morrer, desfazes-te: os bocados de que eras feito
Apressam-se a separar-se para sempre
Sem ninguém ver. É apenas esquecimento, é verdade:
Sabiamo-lo antes, mas então caminhava-se ainda para o fim,
E todo o tempo era afundado num esforço único
Para fazer desabrochar a flor de mil pétalas
De estar aqui. À próxima não podes fingir
Que haverá algo mais. E são estes os primeiros sinais:
Não saber como, não ouvir quem, perdida
A capacidade de escolha. Pelo aspecto sabe-se que estão acabados:
Cabelos cinza, mãos sapudas, cara enrugada de ameixa seca -
Como conseguem ignorá-lo?
Talvez ser velho seja ter quartos iluminados
Dentro da tua cabeça, e gente neles, representando.
Gente que conheces, mas não sabes nomear: cada um aparece
Como uma profunda perda recuperada, vindo de portas conhecidas,
Pousando um candeeiro, sorrindo de uma escada, tirando
Um livro conhecido das estantes; ou por vezes apenas
Só os quartos, cadeiras e um lume acesso.
O arbusto soprado na janela, ou a pálida
Amizade do sol na parede de algum solitário
Fim de tarde de verão depois da chuva. É aí que eles vivem:
Não aqui e agora, mas onde tudo outrora aconteceu.
É por isso que eles mostram
Um ar de ausência confusa, esforçando-se por estar lá
Já estando aqui. Porque os quartos afastam-se, deixando
Um frio inqualificável, o desgaste constante
De retomar a respiração, e eles curvados sob
A montanha da extinção, os velhos imbecis, sem nunca perceberem
Quão próxima está. Deve ser isto que os mantém calados:
O cume que se avista onde quer que vamos
Para eles é um pequeno monte. Não saberão nunca
O que os arrasta para trás, e como irá acabar? Nem de noite?
Nem quando os estranhos vêm? Nunca, durante
Toda esta odiosa infância invertida? Bom,
Havemos de descobrir.
[Tradução: Paulo José Miranda]
Laura Walker |
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