sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Pedro Gonzaga

ASSÉDIO
enquanto bebemos vinho
os visigodos assediam nossa mesa -
em suas bocas mastigam dentes fortes
têm sempre tanta coisa a dizer
ferozes como paulo de tarso
mas infinitamente menos sábios
a luz branca do salão
ergue em teus cabelos
um incêndio que só eu vejo
clamando de minhas mãos
um sacrifício dócil
previsto em outras noites de inverno
quando às facas de pedra
não coube a destreza de nos imolar
não havia ainda a epístola,
é verdade
nem a lâmina dos versículos
a ferida aberta do verbo
um evangelho
um átila
uma queda
entregávamo-nos
ingênuos
à sabedoria da carne
protegidos por um muro,
odre de vinho perdurável
tão distinto da uva acerba
que nossos lábios agora vilifica
expondo-nos à nudez do escárnio
da tia que coordena o bufê a quilo

[In A última temporada, Porto Alegre: Ardotempo, 2011,  pp. 65-66]

Jan van Bijlert




quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Machado de Assis

POLONIA
(1862)
E ao terceiro dia a alma deve voltar ao
corpo, e a nação ressucitará.
Mickiewicz - Livro da Nação Polaca
Como aurora de um dia desejado,
Clarão suave o horisonte innunda.
E talvez amanhã. A noite amarga
Como que chega ao termo; e o sol dos livres,
Cançado de te ouvir o inútil pranto,
Alfim resurge no dourado Oriente.

Eras livre, — tão livre como as aguas
Do teu formoso, celebrado rio;
          A corôa dos tempos
Cingia-te a cabeça veneranda;
E a desvellada mãi, a irmã cuidosa,
          A santa liberdade,
Como junto de um berço precioso,
À porta dos teus lares vigiava.

Eras feliz demais, demais formosa;
A sanhuda cobiça dos tyranos
Veio enluctar teus venturosos dias...
Infeliz! a medrosa liberdade
Em face dos canhões espavorida
Aos reis abandonou teu chão sagrado;
          Sobre ti, moribunda,
Viste cahir os duros oppressores:
Tal a gazella que percorre os campos,
          Se o caçador a fere,
Cahe convulsa de dôr em mortaes ancias,
          E vê no extremo arranco
          Abater-se sobre ella
Escura nuvem de famintos corvos.

Presa uma vez da ira dos tyranos,
          Os membros retalhou-te
Dos senhores a explendida cobiça;
Em proveito dos reis a terra livre
Foi repartida, e os flhos teus — escravos —
Viram descer um véu de luto à patria
E apagar-se na historia a gloria tua.

A gloria, não! — É gloria o captiveiro,
Quando a captiva, como tu, não perde
A alliança de Deus, a fé que alenta,
E essa união universal e muda
Que faz communs a dôr, o odio, a esperança.

Um dia, quando o calix da amargura,
Martyr, até às fezes esgotaste,
Longo tremor correu as fibras tuas;
Em teu ventre de mãi, a liberdade
Parecia soltar esse vagido
Que faz rever o céu no olhar materno;
Teu coração estremeceu; teus lábios
Trêmulos de anciedade e de esperança,
Buscaram aspirar a longos tragos
A vida nova nas celestes auras.
          Então surgiu Kosciusko;
Pela mão do Senhor vinha tocado;
A fé no coração, a espada em punho,
E na ponta da espada a torva morte,
Chamou aos campos a nação cahida.
De novo entre o direito e a força bruta
Empenhou-se o duello atroz e infausto
          Que a triste humanidade
Inda verá por séculos futuros.
Foi longa a luta; os filhos dessa terra
Ah! não pouparam nem valor nem sangue
A mãi via partir sem pranto os filhos,
A irmã o irmão, a esposa o esposo,
          E todas abençoavam
A heroica legião que ia à conquista
          Do grande livramento.

          Coube às hostes da força
          Da pugna o alto prêmio;
          A oppressão jubilosa
Cantou essa victoria de ignominia;
E de novo, ó captiva, o véu de luto
Correu sobre teu rosto!
                                  Deus continha
Em suas mãos o sol da liberdade,
E inda não quiz que nesse dia infausto
Teu macerado corpo allumiasse.

Resignada à dôr e ao infortúnio,
A mesma fé, o mesmo amor ardente
          Davam-te a antiga força.
Triste viuva, o templo abriu-te as portas;
Foi a hora dos hymnos e das preces;
Cantaste a Deus; tua alma consolada
Nas azas da oração aos céus subia,
Como a refugiar-se e a refazer-se
          No seio do infinito.
E quando a força do feroz cossaco
A casa do Senhor ia buscar-te,
          Era ainda resando
Que te arrastavas pelo chão da egreja. 
Pobre nação! — é longo o teu martyrio,
A tua dôr pede vingança e termo,
Muito has vertido em lagrimas e sangue,
É propicia esta hora. O sol dos livres
Como que surge no dourado Oriente.
          Não ama a liberdade
Quem não chora comtigo as dôres tuas,
E não pede, e não ama, e não deseja
Tua ressurreição, finada heroica!

[In Machado de Assis, Chrysalidas, Belo Horizonte, Crisálida, 2000, pp. 68-71]

Sobre Machado de Assis

Jan Matejko 1888



Weydson Barros Leal

O TEAR DA MANHÃ
Os três únicos fios
dessa corda que teço,
são sentenças na boca
que me morde por dentro;

são três tripas de corda
de um sisal que não meço,
mas que aos poucos me engolem
como o dia o seu estro;

essas linhas que cruzo,
que manejo, que intento,
são da cesta os arreios
a frear o seu peso;

não conheço o traçado
de seu curso, o desenho,
sei que os fios são gritos
da mudez, do incêndio;
essa corda que arrasta
por meu corpo o seu beijo,
risca o chão, cada tábua
duma escada que desço,

que componho e desfaço,
que equilibro e é penso,
e ao ser chão é patíbulo
dessa boca que invento.


[In A Quarta Cruz, Rio de Janeiro: Topbooks, 2009, pp. 35-36]




quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Fiama Hasse Pais Brandão

CANTO DIURNO
No silêncio bebe a sua taça
e é dor o amor enquanto espera,
imagina o desejo de repente
e lentamente olha o olhar do Outro.
Conhecer é amar, disse o divino
Platão ou outro filósofo antigo.
Porém como traçar na sombra
da persiana de luz o esboço
do teu rosto escasso ausente,
se no diurno amor a memória
o faz mais esquecer-se?

Quando Março me dá a nova flor
que abre sem palavras a corola,
eu comparo-a com o amor que eclode
na pupila do olhar em luz e sombra.
Todo o ventre é bendito, tanto
mais o da primavera do cio
de aves e flores. Também o desejo
imaginou a língua sem palavras,
e que é a do som do Canto e dos poemas.

Este diurno Amor está em corpo,
e num e noutro, como o pão partido
no banquete dos convivas silenciosos
que é o de cada um consigo e os outros.
Nenhuma coisa ausente o partilha,
quando as estações do tempo passam
por nós depois da Primavera e param
na longa mesa posta para o Verão.
Tudo é presença aqui, e o tempo é dia.

[In Obra Breve Poesia Reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2006, pp. 577-578].

CANTO DA ARTE BREVE
Horácio enganou-se ao contar
os longos anos da vida breve vivida.
O periquito que ganhou a plumagem
há uma semana, e morre mal concebe
as cores no seu corpo, é apenas breve.
O meu relógio de caixa alta, Cronos,
que como um animal ferino me segue,
é também um ser de pulso escasso
e fugaz. No sexto dia pára, e espera
que eu de novo lhe ofereça o seu bafo.
Só os meus imensos dias jamais cabem
nos versos escritos ou ditos, quotidianos,
e se somarmos as horas dos sentidos
é curta a memória e alonga-se o desejo.

Os afectos, os silêncios, os sinais
são a diversa linguagem dos meus dias
e o corpo soma a sua soma em vida.
Nunca a Arte mais se demorou
do que estas mãos que são frugais:
o pouco pão e a água abundam
nos muitos anos longos de penúria.
E é tão vária e imprecisa a vida
que não pode ficar toda contida
em palavras que apenas a resumem.
Os bens que entesourei excedem
a Arte que quisesse neles contentar-se.
Ó morte, se a vida é longa e breve
soma-lhe ainda a mudez e a cegueira
e dá tu aos versos a medida inteira.

[In Obra Breve Poesia Reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2006, p.584].

By Franz Ignaz Günther
 Chronos





terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Pedro Salinas

NÃO EM PALÁCIOS DE MÁRMORE 
não em meses ou algarismos,
nunca pisando o solo:
em leves mundos frágeis,
foi que vivemos juntos.
O tempo se contava
apenas por minutos:
um minuto era um século,
uma vida, um amor.
Abrigavam-nos tetos,
menos que todos, nuvens;
menos que nuvens, céus;
ar, menos ainda, nada.
Atravessando mares
feitos de vinte lágrimas,
dez tuas e dez minhas,
chegávamos a contas
douradas de colar,
ilhas limpas, desertas,
sem flores e sem carne;
albergue, tão miúdo,
em vidro, de um amor
que sozinho bastava
para o querer mais grande
e não pedia auxílio
aos barcos nem ao tempo.
Galerias enormes
abrindo
em grãozinhos de areia,
descobrimos as minas
de chamas ou de acasos.
E tudo
a pender de um só fio
quem sustentava? quem?
Por isso nossa vida
não parece vivida:
deslizante, resvala,
nem estelas nem rastos
deixou atrás. Se queres
recordá-la, não olhes
onde se buscam sempre
pegadas e lembranças.
Não olhes para a alma,
a sombra, ou para os lábios.
Contempla bem a palma
de tua mão, vazia.

[In Carlos Drummond de Andrade, Poesia Traduzida, Organização e Notas Augusto Massi e Júlio Castañon Guimarães, Introdução Júlio Castañon Guimarães, São Paulo: Cosac Naify, 2011, pp. 329-330]

Sobre Pedro Salinas

By Louise Bourgeois


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Rainer Maria Rilke

A MORTE DO POETA
Jazia. A sua face, antes intensa,
pálida negação do leito frio,
desde que o mundo e tudo o que é presença,
dos seus sentidos já vazio,
se recolheu à Era da Indiferença.

Ninguém jamais podia ter suposto
que ele e tudo estivessem conjugados,
e que tudo, essas sombras, esses prados,
essa água mesma eram o seu rosto.

Sim, seu rosto era tudo o que quisesse
e que ainda agora o cerca e o procura;
a máscara da vida que perece
é mole e aberta como a carnadura
de um fruto que no ar, lento, apodrece.

[In Augusto de Campos, Coisas e Anjos de Rilke, São Paulo: Perspectiva, 2013, p.105]





domingo, 23 de fevereiro de 2014

Maria Teresa Horta

OS SILÊNCIOS
Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo

Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo que não
digo

Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei, não te persigo

Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo

TU
Falta-te o sono
até de madrugada
Foge-te a paz aí interrompida

Fazes vigília
nas emoções rasgadas
atento à pátria onde pões vigias

Furtas o mel
do teu fim de tarde
acendes o fogo à cabeceira

Feres a chama
se ela ainda arde
Apagas o coração
de quem de ti se abeira

[In Palavras Secretas, São Paulo, Escrituras, 2007, pp. 118-119)

By Remedios Varo


sábado, 22 de fevereiro de 2014

Ernesto Sabato

EXCERTO DE "O TÚNEL" 
XXI
Voltei para casa com a sensação de uma absoluta solidão.

Em geral, essa sensação de estar só no mundo aparece mesclada a um orgulhoso sentimento de superioridade: desprezo os homens, acho que são sujos, feios, incapazes, ávidos, grosseiros, mesquinhos; minha solidão não me assusta, é quase olímpica.

Mas naquele momento, como em outros semelhantes, encontrava-me só em consequência de meus piores atributos, de minhas baixas ações. Nesses casos sinto que o mundo é desprezível, mas compreendo que eu também faço parte dele; nesses instantes sou invadido por uma fúria de aniquilação, deixo-me afagar pela tentação do suicídio, me embriago, procuro as prostitutas. E sinto certa satisfação em provar minha própria baixeza e em verificar que não sou melhor do que os sujos monstros que me rodeiam.

Naquela noite me embriaguei num café da zona do porto. Estava no pior da bebedeira quando senti tanto nojo da mulher que estava comigo e dos marinheiros que me rodeavam que saí correndo para a rua. Caminhei pela Viamonte e desci até o cais. Sentei ali e chorei. A água suja, embaixo, tentava-me constantemente: para que sofrer? O suicídio seduz por sua facilidade de aniquilação: em um segundo, todo este absurdo universo vem abaixo como um gigantesco simulacro, como se a solidez de seus arranha-céus, de seus encouraçados, de seus tanques, de suas prisões não passasse de uma fantasmagoria, sem mais solidez que os arranha-céus, encouraçados, tanques e prisões de um pesadelo.

A vida aparece à luz desse raciocínio como um longo pesadelo, do qual, no entanto, cada um pode libertar-se com a morte, que seria, assim, uma espécie de despertar. Mas despertar para quê? Essa irresolução de lançar-me ao nada absoluto e eterno foi o que me deteve em todos os meus projetos de suicídio. Apesar de tudo, o homem é tão apegado ao que existe que acaba preferindo suportar sua imperfeição e a dor que causa sua fealdade, a aniquilar a fantasmagoria com um ato de vontade própria. E costuma acontecer, também, que quando chegamos a essa beira do desespero que precede o suicídio por ter esgotado o inventário de tudo o que é mau e ter chegado ao ponto em que o mal é insuperável, qualquer elemento bom, por menor que seja, adquire um valor desproporcional, acaba tornando-se decisivo, e nos aferramos a ele como nos agarraríamos desesperadamente a qualquer talo de grama diante do perigo de rolar num abismo.

Era quase madrugada quando decidi voltar para casa. Não me recordo como, mas, apesar da decisão (que recordo perfeitamente), encontrei-me de repente diante da casa de Allende. O curioso é que não recordo os fatos intermediários. Vejo-me sentado no cais, fitando a água suja e pensando: “Agora preciso me deitar”, e em seguida me vejo diante da casa de Allende, observando o quinto andar. Para que olharia? Era absurdo imaginar que àquela hora eu pudesse vê-la de algum modo. Fiquei ali muito tempo, estupefato, até que tive uma ideia: desci até a avenida, procurei um café e telefonei. Fiz isso sem pensar no que diria para justificar uma ligação a uma hora daquelas. Quando atenderam, depois de eu ter insistido durante uns cinco minutos, fiquei paralisado, sem abrir a boca. Desliguei, espavorido, saí do café e comecei a andar ao acaso. De repente me vi novamente no café. Para não chamar a atenção, pedi uma genebra e enquanto a bebia resolvi voltar para casa.

Depois de um tempo bastante longo me vi afinal no ateliê. Joguei-me, vestido, sobre a cama e adormeci.

[In O Túnel, tradução Sérgio Molina, São Paulo: Mediafashion, 2012, pp. 85-87 (Coleção: Folha Literatura ibero-americana, vol. 5)]



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Maria Lúcia Dal Farra

ORQUÍDEA
Ter sardas é a marca registrada desta fada.
O que não afeta sua beleza
antes a favorece
e acrescenta naturalidade
à maquiagem feita para enfeitiçar: a baunilha
é uma orquídea.
Pobre da aranha, do mosquito, da vespa, do zangão
e da abelha! Imantados pelo néctar que os guia
ao corredor aéreo
(armadilha: balizas, pista colorida, estrias)
onde aterrissam direto para o sexo
(território de pelos envolventes, forma, odor, tato, cor)
— embebedam-se ardorosamente
e copulam com a flor.

A bela e sedutora dama (no entanto)
tem raiz grega masculina.
São de testículos as grossas desinências
que convertem essa filha do ar
em ser do chão
— depois de muitas acrobacias
(a perseguir incessante o sol)
conforma-se com seu murcho simulacro:
um fungo — o reles cogumelo!

Também se tomam cópias
de si mesmas — mas com vantagem.
Macho e fêmea (sempre vamps)
jamais deixam de atender pelo nome de
Vênus.

Estrela-guia,
ensina-me o fascínio da tua androginia!

[In Maria Lúcia Dal Farra, Livro de Possuídos, São Paulo, Iluminuras, 2002, p. 67]

By Gerry Daniel


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Ingeborg Bachmann

ESTRELAS DE MARÇO
Longe vem ainda a sementeira. Surgem 
os primeiros campos à chuva e estrelas de Março. 
O universo ajusta-se à fórmula 
de pensamentos estéreis, a exemplo 
da luz que não toca na neve.

Haverá também pó sob a neve 
e o que não se desfez servirá depois 
de alimento ao pó. Oh vento a erguer-se!
Arados rasgam de novo as trevas.
Os dias querem alongar-se.

Nos dias longos semeiam-nos sem nos perguntar 
naqueles sulcos tortos e direitos, 
e as estrelas retiram-se. Nos campos 
crescemos ou morremos ao Deus dará, 
obedientes à chuva e por fim também à luz.

[In O tempo aprazado, selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento, Lisboa, Assírio & Alvim, 1992, p. 43]

By Edward Robert Hughes

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Henrique de Lemos

O olhar pousado na brancura dos álamos  
assola um silêncio
sedento de água.

Alastra pelo corpo a evidência
da pedra, do lume,
desta poeira respirada
rente à erva seca do verão.

Nada pergunto. Curvo-me
e beijo a mão que me oprime:
o amor
dos peixes na escuridão.

*
Corre um rio sob a folhagem do olhar.
O rio desce, frio, como se subisse
ao topo das grandes montanhas em fúria,
desbotando a evidência dos obséquios
escritos nas palmas das folhas caídas –
fulvas e agudas, espadas lacerantes
da aurora, marcas do tempo que nele fluem
únicas nos espaços que percorrem
e nos brilhos que reverberam, espargidas
no mar como ínfimos charcos de azeite.

Quase cego da alva fluorescência do erro,
do desalento contido nas falsas pistas seguidas,
deixando na paisagem vestígios das cores
raras e sinistras da mudança, o rio corre,
incessante: jorro de medo, rumor atroz
linfa terrível, pureza abjecta, cristalina
envolvendo abrolhos com suas bocas
gota a gota, bocas vorazes, velozes,
gotejando, mordendo, erodindo a vida
vertiginosamente,
     buscando o peixe
obscuro, porventura intangível, da liberdade.

*
As palavras duras ficam
indelevelmente
gravadas na memória.

As palavras duras
são ditas com frieza,
com ódio ou com amor,
e sulcam o ar como aves puras.

E porque as palavras duras magoam
profundamente,
parecem mais verdadeiras
e mais injustas.

As palavras duras
deixam-nos a sós connosco,
feridos, a pensar.

As palavras duras são tigres
com garras agudas, tigres ferozes
que nos fazem sangrar.


Henrique de Lemos é Mestre (2012) em Estudos Portugueses pela Faculdade de  Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde faz seu doutoramento na mesma área de estudos.   Investigador no Instituto de Estudos de  Literatura Tradicional desde 2013, realizou, dentro dos Estudos Pessoanos, uma  comunicação no Colóquio Internacional Central de Poesia II – Livro do Desassossego:  perspectivas intitulada “O descentramento da prosa do Livro do Desassossego".





terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Nikos Kazantzákis

EXCERTO DE "CARTA A GRECO"          

Foi um momento decisivo na minha vida; a angústia que em mim se instalara, nessa manhã, ia talvez escolher este meio de abrir a porta e fugir. Quem sabe, devo ter pensado, ainda que de modo confuso, se esta angústia adquirisse um corpo, se a palavra lhe desse um corpo, então veria o seu rosto e, vendo-o, nunca mais o temeria. Tinha cometido um grande pecado; se o confessasse, ficaria aliviado.

Pus-me, portanto, a mobilizar as palavras, a evocar as vidas de santos, as canções e os romances que tinha lido, a pilhar involuntariamente aqui e ali, a escrever... Fiquei surpreendido logo que alinhei as primeiras palavras sobre o papel. Nada tinha no espírito, recusava-me a escrever semelhante coisa, porque o tinha feito? Como se não me tivesse libertado para sempre do contacto amoroso — e contudo estava seguro de me ter libertado —, pus-me a cristalizar em redor da irlandesa uma lenda cheia de paixão e de imaginação. Nunca lhe tinha dito palavras tão ternas, jamais sentira tantas alegrias ao aproximar-me dela como o que proclamava no papel. Mentiras, só mentiras, e no entanto, ao alinhá-las no papel, compreendia, com espanto, que tinha saboreado com ela grandes alegrias. A verdade estaria, pois, em todas essas mentiras? Porque é que, quando as vivia, não as compreendia? E porquê, agora que escrevia, era a primeira vez que as compreendia?

Escrevia e estava cheio de orgulho: era um deus, fazia o que queria, transformava a realidade, recriava-a tal como a desejava, tal como ela poderia ser, misturava inextricavelmente verdades e mentiras, já não havia verdades e mentiras, tudo era um barro mole que eu afeiçoava, desfazia, a meu bel-prazer, livremente, sem pedir autorização a quem quer que fosse.

Deve existir uma incerteza mais segura do que a certeza; mas uma delas encontra-se num andar acima desta construção do homem mesmo no solo a que se chama verdade. 

A irlandesa insignificante, um pouco atarracada, tomara-se irreconhecível naquela obra; e eu, o galo depenado, enchera-me de grandes penas cintilantes que não existiam em mim.

Acabei ao fim de poucos dias. Fechei o manuscrito, escrevi sobre a capa, em letras bizantinas vermelhas, A Serpente e o Lí­rio, depois levantei-me, fui à janela e respirei profundamente. A irlandesa já não me atormentava, tinha-me deixado, estava deitada no papel de onde não podia mais separar-se, eu encontrava-me livre.

[In Carta a Greco, Tradução de Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho, Lisboa, Ed. Ulisseia, 1961, pp. 136-137]

          Sobre Nikos Kazantzákis


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Fiama Hasse Pais Brandão

POESIA NÍTIDA
A atenção dói quando os objectos
embora inteiros se dividem
ou parcialmente emergem
de dentro da sua própria imagem.

Um estranho dirá que esfumados estão
nas diferentes qualidades do ser,
actuais e vivos. Um próximo parente viu
que nas marcas do tempo se confundiram
os diversos sinais do mesmo tempo.

Só em mim a atenção é um modo
de doer, e o que hoje dói
flui como um bálsamo.

As copadas árvores estavam quietas,
nas frias repetidas matinas
— e agora nelas percebe-se
a nitidez que forma os espectros.

[In Obra Breve Poesia Reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2006, pp. 526].

Vincent van Gogh


domingo, 16 de fevereiro de 2014

Rogério Pereira

EXCERTO DE "NA ESCURIDÃO, AMANHÃ"
Quem somos nós, pai? Debaixo do feno, a terra apodrecida, o gosto azedo, o cheiro ruim, quase insuportável. É dali que viemos: do berço infértil, da quentura do solo a gerar vermes. Quando chovia, o cheiro de podridão entrava pela janela vindo da palha de feijão amontoada. A água da chuva não trazia a limpeza., a pureza. Escancarava nossas origens e deixava vazar o fedor dos nossos restos. Nossa origem vem da terra. Mas você a negou. Nos arrancou de lá. As raízes fracas facilitaram a nossa queda. Tombamos para sempre, sem possibilidade de retorno. A tua mão suada arrancou os últimos pés de feijão quando nos jogou na cabine daquele maldito caminhão. Deixamos tudo lá, principalmente nossa história e a certeza de que havia alguma chance. Mesmo criança, tinha certeza de que daria tudo errado em C. Cresci com a certeza da derrota. Quando não havia ninguém (você sempre foi um ausente) para chorar a morte da avó, perguntei: Quem somos nós?  Viemos daquele corpo esquelético, desenhado na fumaça do cigarro de palha e na bomba de chimarrão. Na cama do hospital, estava muito parecida conosco: um cadáver à espera de misericórdia. Era impossível o perdão. Melhor carregar o ódio a explodir. Poucas coisas na vida me fizeram tão bem quanto vê-la morrer, secar ao relento, abandonada, cachorro sem dono agonizando esmagado no meio-fio. Cheguei a acreditar em Deus. A mão misericordiosa Dele cumprira a sua vingança contra a inimiga declarada. De nada adianta. Não nos encontraremos mais. Nem ela, nem você estará novamente a minha frente. Ambos estão mortos? Onde está a avó? Onde está você? Onde eu estou?

[In Na Escuridão, amanhã. São Paulo, Cosac Naify, 2013, pp. 31-33]

Sobre Rogério Pereira


By Julien Dupré




sábado, 15 de fevereiro de 2014

Pedro Nava

EXCERTO DE BEIRA-MAR, MEMÓRIAS 4

Belo Horizonte era uma capital profundamente quieta e bem pensante. Amava o soneto, deleitava-se com sua operazinha em tempos de temporada, acatava o Santo Ofício que censurava por sua conta os filmes, suas moças liam Ardell, Delly, a Bibliothèque de ma Fille, a Collection Rose, não conversavam com rapazes e faziam que acreditavam que as crianças pussavam nas hortas entre pés de couve, raminhos de salsa, serralha, bertalha e talos de taioba. Havia uma literatura oficial. Os discursos de suas excelências eram obras antológicas. “Minas é um coração de ouro num peito de ferro.” “Minas é um povo que se levanta.” “A desopilante Comédia Humana." A Liga pela Moralidade atava e desatava, tinha lugar certo para suas decisões no Minas Gerais — Órgão Oficial dos Poderes do Estado. Era um outro poder do Estado. Os Redentoristas davam a nota com o Padre Severino fazendo milagres. Não ler as inépcias canônicas de O Sino de São José era pecado mortal. O beatério vivia aceso com a criação do Bispado em 1921 e sua instalação à 30 de abril de 1922. A pirâmide estava perfeitamente assentada. Ora, aqueles rapazes desrespeitosos, escrevendo em revistas do Rio e depois de São Paulo, fazendo versos sem rima e sem metro, descobrindo pedras no meio do caminho — só podiam ser uns canalhas. Tudo de malfeito que aparecia lhes era atribuído. Isto é coisa destes filhos da puta dos futuristas — dizia o Raul Franco — como ouvi certa vez. Os escritores, os vates, os pintores, os escultores que tinham o viático do Palácio descascavam em cima da súcia. Além de confusamente tratados de futuristas, éramo-lo também de nefelibatas — expressão exumada dos velhos insultos aos simbolistas e servindo agora para nós que éramos os que andávamos com os pés fora do chão em vez de casqueá-lo solidamente a quatro patas, da Praça da Liberdade ao Bar do Ponto, dando uma paradinha no Conselho Deliberativo (vindo por Bahia) ou no Senado e na Câmara (quem descia João Pinheiro). Pois futuristas e nefelibatas não éramos considerados melhor que os habituês das tascas, os frequentadores dos cabarés, a ralé dum Parque Cinema já inexistente mas conservando seu valor simbólico. Dentro desta onda de hostilidade há que abrir lugar para exceções. Dos literatos da geração anterior éramos entendidos por José Osvaldo, Mário Matos e principalmente por Arduíno Bolivar que está para o Modernismo Mineiro numa posição equivalente à assumida por João Ribeiro com relação ao Modernismo tomado em compacto.

Tínhamos de reagir e como o fazíamos. .. Eram tardes e noites acintosas de bar com cervejadas, anis escarchado, kümmel, conhaque francês, otongim, uísque (um roubo! 5$000 a dose), jantares com vinhaça italiana, portuguesa e francesa. Muita galinha, peru, patos roubados para preparação de ceias na Madame ou judeus no Pedro Sousa, ao Quartel. Andávamos em grupo provocante, rua acima, rua abaixo, rindo na cara dos homens graves, fazendo em tomo deles danças de comedores do Bispo Sardinha, na Sala de Espera do Odeon, aplaudindo a pontaria para cuspir de que era dotado um dos nossos — que escarrava onde queria nos cavalheiros que desciam para a Sessão Fox. Prestem atenção. Vou cuspir na gola daquele. Na manga direita deste. Naquela copa de chapéu. E lá partia a densa ostra que ia estrelar-se exatamente onde nosso amigo tinha prometido. Em caso de suspeita ele seria o último a ser considerado, dentro do seu ar digno de gentil-homem, jeito muito magro, muito aristocrático (não fosse ele de Juiz de Fora) e que quando falava a alguém era na maior seriedade e sempre com urbanidade perfeita. Muitas vezes ele levava seu cinismo ao ponto de ir à vítima. Cavalheiro — cuspiram na sua gola, o senhor permita que eu limpe. E fazia-o com o próprio lenço, sério como um Desembargador da Relação, enquanto o outro desmanchava-se de reconhecimento. E depredávamos. Casas, jardins, logradouros. Na noite da cidade deserta e despoliciada quem? quebrou uma por uma as vidraças consulares do Comendador Avelino Fernandes. Quem? tocava as campainhas, chamava os Redentoristas para irem levar o Santíssimo, os Santos Óleos à Lagoinha, Serra, altos do Cruzeiro, descampados do Calafate — quem? E não havia agonizantes... Destruídas todas as mudas da nova arborização de Goiás. Depredadas as roseiras da Praça da Liberdade. Invadida a propriedade do Senhor Raul Mendes e inutilizadas suas novas enxertias de manga. Vândalos despejam tinta e goma arábica entre as páginas do Livro de Registros de Hóspedes do Grande Hotel. Os estudantes, conduzidos por maus elementos e gente não pertencente à classe, incendeiam bondes. Lembrai-vos? maus elementos estranhos à classe estudantil. Grandes quantidades de solução de ácido sulfídrico e empolas de mercaptã são atiradas no salão do Odeon durante a última Sessão Fox e o odor infecto determina suspensão da projeção e a retirada das famílias indignadas. Quem? assaltava as latarias e reservas alimentícias do bondoso Simeão. E os livros do Alves? Quem? todas as noites trocava de portão as placas do Doutor Borges e do Doutor Lagoeiro e outras, outras e outras — pondo as de engenheiros em casa de médicos, as de advogados em casa de engenheiros, as dos médicos nas casas uns dos outros — sobretudo se os separava o ódio furioso da classe. Quais? os meliantes que arrancaram numa noite, cerca de quarenta placas e foram depositá-las todas na varanda desguardada do Chefe de Polícia. Quem? destruiu as gaiolas de pássaros do agiota Murta. Quem? soltou suas graúnas, seus cardeais, seus curiós, seus canários. E o viveiro de tinhorões, a estufa de begônias do Doutor Gustavo Pena? Quem? espezinhou e pulverizou-lhes as jarras. Quem? Quem? Quem? A Família Mineira ultrajada sabia muito bem bem bem. Mas queríamos mais... Enterremos Delegados. Desacatemos o PRM. O delegado era o Valdemar Loureiro depois de tropelias praticadas à porta do Municipal. Faríamos sua inumação simbólica. Quando íamos atacar a funerária para de lá tirar o caixão chegou o Dr. Pimenta Bueno que nos dissuadiu do propósito. Pois escapamos de boa. Segundo inconfidência do Teixerão, ele próprio polícia amador, o cunhado Valdemar, uma cáfila de secretas e um bando de soldados estavam à nossa espera, armas embaladas, com autorização do bondoso Dr. Júlio Otaviano, Chefe de Polícia, que já se entendera com o Palácio. Podiam atirar. Salvou-nos o acaso de termos atendido as injunções do delegado diplomático. O PRM foi desacatado, logo na pessoa de quem? Do grande, do nosso excelente Dr. Afonso Pena Júnior. Ele falava à porta do Grande Hotel. Os nefelibatas, rentes a ele, interrompiam cada período do seu discurso com um portentoso — Morra! o doutor Afonso Pena Júnior! — soltado a queima-roupa. Ele aguentou firme um, dois, três morras e ao quarto parou para deter a cavalaria que avançava e para responder de cara — que praga de urubu magro não mata cavalo gordo! — ao que retrucamos, já mudados, com um VIVA O DOUTOR AFONSO PENA JÚNIOR! que reboou até o Bar do Ponto. Pazes feitas. Mas queríamos mais... Ateemos fogo a Belo Horizonte. Foi aceso um foguinho por dois que entraram furtivamente no porão das Bevilacqua. O par foi dar uma voltinha na Praça da Liberdade para espairecer o blues. Ao voltarem a Gonçalves Dias, 1.218, verificaram aterrados que o incêndio alastrara e rugia no porão da casa. Os próprios incendiários deram o alarma e misturados à família combateram as chamas. Mas perceberam que eram suspeitados. Desceram arrasados, acordaram o João Pinheiro Filho, pediram palpites, pensaram em fugir para São Paulo mas o conselho do amigo era que fossem dormir e que se fizessem de andré. Ai! dos dois... Logo Belo Horizonte saberia de tudo e o Zegão que tinha culpas no cartório, já no dia seguinte, jantando em casa dos Machado, ouviu o relato da boca indignada de Dona Hilda. Tinham ateado o incêndio e por cúmulo da maldade, debaixo dum fio elétrico para provocarem um curto circuito. Não foi tanto assim, Dona Hilda... Com’é que o senhor sabe? Curto circuito simsenhor! 

[In Beira-Mar, Memórias 4, 3a. ed., Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1985, pp. 179-181]


Antiga Avenida João Pinheiro
Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Fernando Sernadas

POEMA DE FIM D´ANO
Para o Antonio Damásio

Da integração dos elementos antagónicos
Do som parado entre as notas do dilúvio
De todos os heróis desconhecidos e petrificados
Da lenta perfeição do instante vindouro
Do kairos dilatado sobre o chronos
De tudo isto se faz a utopia
Ferina hora da dilate campina
Em que cessa a festa a ver passar
E do tempo se diz estar quente ou frio
Como em jogo de criança

Avessos os olhos que veem o desfilar do ódio
Avessas as mãos que cerram o amor em concha
E os chocalhos da despedida são anúncios profanos
Como quem estronca a arca bolorenta do bisneto
E estar o mesmo mundo do lado de lá e de cá

O mundo é um conceito sossegante
Mas entra pela mente a comichão
Como humidade através da parede
O mundo é um naco de universo
Desprendido como espirro incontrolável
E a recuperação do fôlego tem sido mais
A dispersão dos estilhaços
Do que a reconstrução do puzzle
Onde todas as peças tem seu lugar
Entregue agora as mãos de criança
Que sorri por entre a luz em cachoeira

ESPINOZA
A filosofia é um campo de certezas de caminhantes em água
Como o vento que junta todas folhas em frente as escadas
E Espinoza fechado em casa as paredes húmidas de caruncho
Os dias escuros e solitários de janela em janela
E a mente acesa dia e noite limando lentes
De quem sopra no vidro a forma e a vida
E emenda a imagem do inimigo na idéia de Deus
Que o filósofo da potência assim vivesse e assim morresse
Entre quatro paredes enlaçado no seu próprio sistema
Essa pura fidelidade à pouca luz da vida
Ao pouco amor dos talhadores da paz e do templo
Que assim se salvasse por uma humildade extrema
E se rendesse não à chacinaria reinante
Mas à morte que sabia não existir
Por ser também a primeira causa

METADES 6
Já das palavras surge a sombra do nada
E todas coisas se diluem na própria forma
Já do som das palavras resta só a chamada
E das casas se pintaram todas paredes
Abafado fica o fonema entre varias camadas

O lugar da história e um largo de guilhotinas
E toda história um apetrecho de produzir silêncio
Um passo isolado nos corredores da mente
Que ninguém diga que se escreve tratados com sangue
Todas janelas foram feitas para
Recortar o voo dos pássaros

METADES 5
Vem nos oráculos que a única dignidade
Nasce da solidão do lado de fora das margens
Quem se defende ofende o opressor
E brota do silêncio a paz do musgo
O mundo é uma mentira em redondo
Certeiro e igual o calor para todos
Mas nem todas as mãos a forma do estalo
Nem todas caras os olhos do avesso
Nem todas pernas do milheiral a fuga
O corpo inteiro é uma arma de fincar pé
A corpo inteiro ninguém fica só

CHAMADA
O maior insulto a chamada de poeta
Podemos dizer pedreiro carpinteiro ladrão
Mas de poeta se abre o alçapão inchado de desprezo
De poeta um vegetal alegre conduzindo motor
Olhos arregalados e cegos perante a vaidade
De quem quer do outro o espelho onde brilhar
Nada mais punhalada que dizer de alguém poeta
Sabendo de antemão que das palavras o campo raso
Tábula escarnecendo pela face o escarro
Escorregando da queda todas estrelas de circo
Nada mais palhaçada que poeta escrevendo
Pelas linhas de deus as tortas sobre a mesa
Papéis de utilidade doméstica de telhas em vendaval
Nada mais que através do poeta o esqueleto afinado
Ossos de guitarrar os fados de todos gargalos vazios
Ossos de vassourar as escavações da minúcia e ausência
Nada mais desaparecido que o poeta a meio vôo
Bando migratório deixando da sombra a parca luz

Fernando Sernadas é um intelectual e poeta português,  radicado no Canadá.

© Fernando Sernadas, 2014
Todos os direitos reservados

By Jane Davies




quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Antonio Fernando de Franceschi

ALGO
há algo feito e acabado
que desmente a teoria
algo livre das aduanas
que flota justo e medido
no lírio das cumeeiras
algo subtraído das ganas
que se preserva intocado
algo entre as unhas
pelo tecido lunar
que te desconcerta e redime
algo certo algo errado
como inteiro domicílio
uns restos no copo
e a ressaca que volta
algo que é também soberba
e te ilumina
algo que não pode ser recuperado
por simples razão
teus mitos
como um quarto fechado
algo vertido na lâmina
que por descuido a corrói
algo sem gume nem corte
mas cujo toque te dói

NÁUSEA
era uma colina sem centauros
(nem desejos)
uma colina sem delírios nem sextantes
onde o maduro tempo
(e a regular sangria)
era roupa lavada

era um martírio a jusante
sem galopes nem porfias
onde a regimental usura
punha excessivo rigor
sobre a vida mal passada

era culpa assestada
no olho aberto do ovo
que ardia chama incessante
sem áureo corte
(rasante)
quando a vontade era nada

(Fractais, 1990)

[In Poetas na Biblioteca - Antologia, São Paulo, Ed. Memorial, 2001, pp. 86-87]

Biografia de Antonio Fernando de Franceschi

By Georgi Petrov


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Renata Pallottini

NÃO SEI NADA
NÃO SEI nada
não compreendo nada
e me irei sem nada ter aprendido
senão as lições da minha própria angústia.

No entanto
desta luta de punhais que se travou dentro de mim
continuo a guardar lenços manchados
até o dia antes do fim de tudo
em que hei de expor ao sol os mapas desta viagem.

LATIFÚNDIO
NÃO quero mais me lamentar
mesmo porque
não tenho mais de quê.
Se o sabiá voou
ficou-me o bem-te-vi.
Se o amor acabou fica o estamos aí.

Eu tenho a grama do jardim
e mais
tenho-me a mim.

SURREALISTA
Em tua boca não há palavras para mim
não obstante o teu amor (e nele creio).
Vives um mundo exato; e eu tropeço
nos dias e nos medos.
Vou me virar pra dentro, como um fruto
depois da flor; e me como a mim mesma.
Vou subir pelo tronco, parasita,
vou cair no poema.
Vou voar pelas asas marinheiras
de mil e uma, mil e duas borboletas.
Ah, vou emudecer solenemente e em verso,
ah, vou me suicidar como Santos Dumont.
Quando me procurares, meu amor,
verás no meu lugar a casca da libélula
e um fio de cabelo ton sur ton.

[In Obra Poética, Editora Hucitec: São Paulo, 1995, pp. 224-225].

ESTA CANÇÃO
"Aquilo que é, já foi; e aquilo que há de ser já foi; Deus fará vir outra vez o que já se passou." (Eclesiastes, 3:15)

Esta canção tateia a tarde clara
buscando a minha voz que é sua fonte.
Assim voltam os pássaros ao campo,
assim volta o horizonte ao horizonte.
Sou doido que canta para si,
cônscio de não saber nem do que inventa;
recriando o criado, ele sorri,
ciente de que não faz nem acrescenta.
Tudo já foi, apenas se repete;
este lugar de amor será pregresso
quando for dor a dor que se promete.
Chegou-me agora o que já foi futuro;
assim Deus me prepara o teu regresso
como se planta um poema manuscrito.

[Fonte: Blog de Renata Pallottini]



terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Maria Lúcia Dal Farra

CUPIDO
O bibelô desperta na sala deserta.
Os pés da cadeira tropeçam nessa evidência
transportam minha alma para um tempo de penúrias.
Odores litúrgicos, paisagem serrana, leque espanhol.
O bronze do cinzeiro se espalha e funde tudo:
sou atingida!
Inventario os móveis. Aqui um armário
ali o oratório, oh Santo António,
me socorre! Que salmo devo invocar?
O amor é uma coisa estúpida (pensa, carente,
a Karenina, a Ana que muito amou)
mas salva os homens e alguém me aguarda
no quarto contíguo.
O gato salta por cima do meu sobressalto
e a pequena estátua recolhe ao arco sua flecha.
Tudo se aquieta na sala aberta.

AMOR DIÁRIO
Vocábulos travados,
estes gestos ausentes
nada são (enfim)
para o roteiro da noite.

Transitam pelo espaço inútil
e rodam
(tontos)
estourando no chão
como cebolas.
Choramos ou rimos —
efeitos visuais que exalam
ao topar o solo.

[In Livro de Auras, São Paulo, Iluminuras, 1994, pp. 56-57].

Oratório para santo Antonio de rosas de alumínio
by Flávio Ferraz Lima

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Murilo Mendes

POEMA PESSOAL
Levanto-me da carruagem de paixões e plumas
Aparentemente guiada pelas irmãs Brontë.

Deu uma tristeza agora nos telhados.
As cigarras sublinham a tarde emparedada,
O trovão fechou o piano.
Surge antecipadamente o arco-íris,
Aliança temporária de Deus com o homem,
Sem a solidez da eucaristia:
Surge sobre encarcerados, órfãos, marginais,
Sobre os tristes e os sem-solução.

Dos quatro cantos de mim mesmo
Irrompe um Dedo terribilíssimo que me acusa
Porque sem os olhar deixo de lado
Os restos agonizantes do mundo.

Transformou-se agora o céu.
Céu patinado, que escureza.
Céu sempre futuro e amargo,
Como são fundamentais
Estes sofrimentos de segundo plano!

Mais o que mesmo lembrar?
Ah sim — esta arrastada caranguejola da vida.

[In Poesia Completa e Prosa, Ed. Nova Aguilar: Rio de Janeiro, 1994, pp. 258-259]. 





domingo, 9 de fevereiro de 2014

Luís Filipe Castro Mendes

NOCTURNOS
1.
(Sobre um poema de Nuno Júdice) 
Havia luz demais no teu poema:
por isso esperámos pela noite. Escureceu na pequena
estação sobre a praia, mas o teu poema
continuava a brilhar no meio das notícias
levíssimas e das palavras que trocámos
por dentro da tarde. Ficámos assim muito tempo.

Nenhum de nós saberia dizer o que esperámos.
Apenas as palavras começaram a afastar-se,
para nós entendermos. Como a luz.

2.
(A partir de uma estampa chinesa)
I
O pavilhão desenhado no jardim
não é matéria de sonho:
quem o habita? quem
dentro da linha ténue
das paredes
lhe recolhe o fruto
desolado?

II
Haverá um centro,
um motor de harmonia,
uma fábrica de sonhos
por perceber?
Será a linha do horizonte aquela margem do rio
que os teus passos não podem conhecer?
III
Se pudesses merecer
toda a indiferença da terra
terias nestas pedras, nesta água
o teu lugar.
O pavilhão não se acende no jardim:
vibra na paisagem
atrás da luz.

[In O jogo de fazer versos, In Poesia Reunida, Rio de Janeiro, Topbooks, 2001, pp. 266-267]





sábado, 8 de fevereiro de 2014

Astrid Cabral

DOMINGO EM MILWAUKEE
Cristas de igrejas contra o azul 
culpam-me de ter perdido a missa.
A beira-lago, o museu lembra 
um iate grego extraviado.
De seu convés se descortina 
o salão d’água onde dançam 
velas bêbadas de brisa.

Embarco para o país da arte: 
no exílio o girassol de Miró 
instaura a primavera eterna 
a corola coroa triunfante.
Rigaut Benoit, Hyppolyte, os Obin 
exportam a alma do Haiti.
Um pintor de vanguarda concebe 
bebês boiando no bojo de modernas 
maternas telas televisivas.

O que contemplar? 
Perco-me entre os labirintos do homem 
e a escondida face do divino 
transparecendo na pele do mar.

O sol desfalece e a neblina 
que desce porfia por engolir 
as áureas relíquias do dia.

[In Rês Desgarrada, In De déu em déu -  poemas reunidos (1979-1994), Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 348].

By  Ryan Radke

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Else Lasker-Schüler

FARAÓ E JOSÉ*
Faraó repudia as suas mulheres, frescas
Como flores, cheirando aos jardins de Amon.

Sua cabeça real descansa sobre o meu ombro,
De onde emana cheiro de espigas.

Faraó é feito de ouro.
Os seus olhos vão e vêm
Como revérberos nas ondas do Nilo.

Mas o seu coração está no meu sangue;
Dez lobos vieram ao meu bebedouro.

Faraó pensa sempre
Nos meus irmãos
Que me lançaram num poço.

No sono, os seus braços são colunas
E ameaçam!

Mas o seu coração sonhador
Ressoa no fundo de mim.

Por isso os meus lábios inventam
Grandes bolos doces
No trigo da nossa manhã.
* Gênesis, 41.

[In Baladas Hebraicas, tradução e apresentação de João Barrento, Lisboa: Assírio & Alvim, 2002, p. 63].



quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Hilda Hilst

MULA DE DEUS
I
Para fazer sorrir O MAIS FORMOSO
Alta, dourada, me pensei.
Não esta pardacim, o pêlo fosco.
Pois há de rir-se de mim O PRECISO

Para fazer sorrir O MAIS FORMOSO
Lavei com a língua os cascos
E as feridas. Sanguinolenta e viva
Esta do dorso
A cada dia se abre carmesim.

Se me vires, SENHOR, perdoa ainda
É raro, em sendo mula, ter a chaga
E ao mesmo tempo
Aparência de limpa partitura
E perfume e frescor de terra arada.

II

Há nojosos olhares sobre mim
Um rei que passa
E cidadãos do reino, príncipes do efêmero.
Agora é só de dor o flanco trêmulo
Há nojosos olhares. Rústicos senhores.

Açoites, fardos, vozes, alvoroço.
E há de mim um sentir delicioso.
Um tempo onde fui ave, um outro
Onde fui tenra e haste.

Há alguém que foi luz e escureceu
E dementado foi humano e cálido.
Há alguém que foi pai.E era meu.

III

Escrituras de pena (diria mais, de pêlos)
De infinita tristura, encerrada em si mesma.
Quem há de ouvir umas canções de mula?

Até das pedras lhes ouço a desventura.
Até dos porcos lhes ouço o cantochão
E por que não de ti, poeta-mula?

E ornejos de outras mulas se juntaram aos meus.
Escoiceando os ares, espumando de gozo
Assustando mercado e mercadores

Alegrou-se de mim o coração.

IV

Um dia fui o asno de Apuléius.
Depois fui Lucius, Lucas, fui Roxana.
Fui mãe e meretriz e na Betânia
Toquei o intocado e vi Jeshua
(Ele tocou-me o ombro aquele Jeshua pálido).

Um tempo fui ninguém: sussurro, hálito.
Alguém passou, diziam? Ninguém, ninguém.

Agora sou escombros de um alguém.
Só caminhada e estio. Carrego fardos

Aves, patos, esses que vão morrer.
Iguais a mim também.

V

Ditoso amor de mula, Te ouvir murmurando
Ó Amoroso! Ditoso amor de mim!
Poder amar a Ti com este corpo nojoso
Este de mim, pulsante de outras vidas
Mas tão triste e batido, tão crespo.
De espessura e de feridas.

Ditoso amor de mim! Tão pressuroso
De amar! (E de deitar-se ao pé
De tuas alturas). Corpo acanhado de mula.

Este de mim, mas tão festivo e doce.
Neste Agora
Porque banhado de ti, ó FORMOSURA.

VI

Tu que me vês
Guarda de mim o olhar.
Guarda-me o flanco.
Há de custar tão pouco
Guardar o nada
E seus resíduos ocos.

Orelhas, ventas
O passo apressado sob o jugo
Casco, subidas
Isso é tudo de mim
Mas é tão pouco...

Tu que me vês
Guarda de mim, apenas
Minha demasiada coitadez.

VII

Que eu morra junto ao rio.
O caudaloso frescor das águas claras
Sobre o pelo e as chagas.

Que eu morra olhando os céus:
Mula que sou, esse impossível
Posso pedir a Deus. E entendendo nada
Como os homens da Terra.
Como as mulas de Deus.

VIII

Palha
Trapos
Uma só vez o musgo das fontes
O indizível casqueando o nada.

Essa sou eu.

Poeta e mula.
(Aunque pueda parecer
Que del poeta es locura).


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Cristina Campo

VERÃO INDIANO
Outubro, flor do meu perigo — 
primavera derramada pelos rios.

Ora me é indiferente até à morte
— o acero tem o voo quebrado, os fogos trazem tanto fumo 
ora o terror de existir me afronta
radioso, como o astro vermelho.

Tudo é já sabido, a maré prevista 
e porém tudo se obscurece e aclara 
com fresca desesperação, com extraordinária 
firmeza...

A luz entre duas chuvadas, sobre a ponta 
do rio que me trespassa entre corpo 
e alma, é uma luz da noite
— a noite que não verei — 
clara nas selvas.


[Cristina Campo, O Passo do Adeus, Tradução José Tolentino Mendonça, Lisboa, Assírio & Alvim, 2002, p. 63]. 



By Federico Gerosa


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Giorgos Seféris

Strátis marinheiro entre os agapantos
Não há asfódelos nem violetas nem jacintos aqui;
como falar então aos mortos?
Os mortos só conhecem a linguagem das flores;
por isso calam
viajam e calam, padecem e calam
na terra dos sonhos na terra dos sonhos.

Se eu me puser a cantar, gritarei
e se gritar
os agapantos me imporão silêncio
erguendo a mãozinha azul de menino da Arábia
ou seus passos de ganso no ar.

É difícil, oneroso; não me bastam os vivos;
primeiro porque não falam e depois
porque eu preciso interrogar os mortos
para poder seguir.
Não há outra maneira; mal me vem o sono
os companheiros rompem os cordéis de prata
e o odre dos ventos se esvazia.
Eu o encho, esvazia-se; eu o encho, esvazia-se;
acordo
como peixe dourado a nadar entre as intermitências
do relâmpago,
e o vento, o dilúvio, os cadáveres humanos
e os agapantos cravados como setas
do destino na terra sequiosa
sacudidos por gestos espasmódicos,
dir-se-ia levados numa velha carroça,
a rolar por ínvios caminhos, pavimentos
decrépitos
os agapantos, asfódelos dos negros:
como hei de aprender tal religião?

A primeira coisa que Deus fez foi o amor
depois veio o sangue
e a sede de sangue implantada
pelo sêmen do corpo, como sal.
A primeira coisa que Deus fez foi a longa viagem;
e a casa à espera
e o fumo azulado
e o velho cão
aguardando, para expirar, tão-só a volta do seu dono.
Mas é preciso que os mortos me esclareçam
e os agapantos os deixam taciturnos,
como o fundo do mar ou a água do copo.
Os companheiros permanecem nos palácios de Circe;
Elpenor meu caro! o meu tolo, o meu pobre Elpenor!
Eh! não o vedes ali?
("Socorro!")
De Psará a negra serrania.

Transvaal, 14 de janeiro de 42

[Poemas Giorgos Seféris,  sel., trad. e notas de José Paulo Paes, São Paulo: Nova Alexandria, 1995, pp. 121-122]. 


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Paul Celan

PRISÃO DA PALAVRA
Olho redondo entre as barras.

Pálpebra de animal cintilante
rema para cima,
libera um olhar.

Íris, nadadora, sem sonhos e triste:
o céu, cinza-coração, deve estar próximo.

Inclinada, no bico de ferro,
a limalha fumegante.
No sentido da luz
adivinhas a alma.

(Se eu fosse como tu. Se fosses como eu.
Não estaríamos
sob um mesmo alísio?
Somos estranhos.)

Os ladrilhos. Por cima,
uma junto à outra, as duas
poças cinza-coração:
dois
bocados de silêncio.

[In CRISTAL, trad. Cláudia Cavalcanti, São Paulo, Iluminuras, 2011, p. 71]

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Antonio Gamoneda

Amo o meu corpo; as suas vértebras fendidas
por ferros viventes, as suas cartilagens
queimadas, o meu coração ligeiramente húmido
e os meus cabelos enlouquecidos
nas tuas mãos.
Amo também
o meu sangue atravessado por gemidos.

Amo a calcificação e a melancolia
arterial e a paixão do fígado
fervendo no passado e as escamas
das minhas pálpebras frias.

Amo o estame celular, as fezes
brancas no final, o orifício
da infelicidade, as medulas
da tristeza, os anéis
da velhice e a influência
da treva intestinal.
Amo os círculos
gordos da dor e as raízes
dos tumores lívidos.

Amo este corpo velho e a substância
da sua miséria clínica.
O esquecimento
dissolve a matéria pensante
diante dos grandes vidros da mentira.

tudo está dirimido.

Não há causa em mim. Em mim não há
mais que cansaço e
um extravio antigo:
ir
da inexistência
à inexistência.
É
um sonho.
Um sonho vazio.
Mas acontece.
Eu amo tudo quanto cri
vivente em mim.
Amei as grandes mãos
da minha mãe e
aquele metal antigo
dos seus olhos e aquele
cansaço cheio de luz
e de frio.

Desprezo
a eternidade.
Vivi
e não sei porquê.
Agora
hei-de amar a minha própria morte
e não sei morrer.

Que equívoco.

[In Canção Errônea, In Esta luz, Poesía Reunida (1947-2004), Barcelona, Círculo de Lectores, S.A./ Galaxia Gutenberg, 2010, pp. 277-281]. 

AMADEO DE SOUZA CARDOSO

Rosa Alice Branco

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