SIM E NÃO
Através de um continente imaginário
Por não poder ser mais descoberto agora
Sobre este planeta totalmente apreendido
Sem considerar mais candidatos,
Ai de mim!
Um bicho izoológico andava,
Sem fado, sem fato,
Sua história pessoal intacta
Contra a paródia
De uma anatomia.
Nem visível nem invisível,
Removido pela noite sem dia,
Já terá fugido de sua terra
E da fantasia até a luz,
Até o espaço para repor
Seu falecer inescrevível?
Ah, os minutos piscam e despiscam,
Fechados e abertos vão e vêm,
Um por um, nenhum por nenhum,
O que sabemos, o que não sabemos.
COMO NASCE UM POEMA
Para James F. Mathias
A necessidade nos acossa como acusação de impotência:
Você pode ou não falar mais alto,
Provar que está presente?
O que você precisa encontrar para dizer,
Para passar o saber que você existe
À revelia dos crentes ou descrentes
Da nossa espécie em cada um,
Você pode chegar junto ao chegar perto deles
E deixar o assunto de aceitação
Suspenso entre sua oferta
E seu destino com eles no tempo.
(Isto se chama "prosa"!)
Ou você pode convidar ouvintes,
Sem esperar por eles ─
Fazendo do que você acha para dizer
Um testemunho de si, se ausente de ouvintes.
(Assim o poema se constrói:
Para ser entregue numa distância curta.
Mesmo sem plateia, fala.)
A realidade num poema é inextensível.
Abrange a vontade de falar mais alto,
Mas, se presume incluir
A vontade visitante de ouvir o que é dito,
Finge ser uma
Presença além da sua mesma.
O que mais pode ser feito?
Não falamos mais um com o outro?
Pomos palavras no ar e no papel
Que viajam entre nós como se o real,
Sob a proteção do tempo,
Com nem tudo perdido entre uma e outra,
Estas, aquelas e suas outras,
Ou perdidas de uma vez?
Não fosse isto um poema
Eu falaria sobre o falar,
Escreveria sobre o falar (e sobre o escrever),
Que se guardaria para o outro, outros,
Se construiria para todo mundo,
Ou para ninguém, contendo em si sua força viajante,
Sem precisar de uma graça de tempo para resgatá-Io
De uma perda total.
Ou eu falaria, escreveria, assim,
Esforçando-me para construir, quero dizer,
Algo ligando nossos entendimentos
Numa realidade de palavras, de eus, de outros,
Mais dizível, mais penetrável, habitável, aberta.
sábado, 27 de fevereiro de 2016
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
Ana Luísa Amaral
GAUGUIN FOTÓGRAFO
Estas quase-noites das estampas:
azuis escuras, o sol às réstias louras
e mares cor de safira
Nem Gauguin e as angústias
que eram dele
tinham destas cores
Fosse Gauguin fotógrafo,
o seu comércio a estampa
(que não dores):
deitava-se na areia-cor-de-areia,
mimando o paraíso numa noite
que fosse de dormir
NARRAÇÕES (OU NEM TANTO)
I
«Na folha verde,
a aranha, de mansinho,
pé ante pé,
faz ninho»
Narrar o verso assim.
E porque não?
Porque não: rima curta e
corte em verso?
Em vez de rendilhado-
— teia azul:
um pedaço de rede
sem bordado.
Onde o verso, cansado
de regurgitar,
engolisse as laçadas
do bordado
em pontos de rimar.
II
Além de que as aranhas
não caminham
sub-repticiamente.
Mas criam de repente
uma avalanche
de patas e montanhas,
que provoca tamanhos
terramotos.
A folha verde:
o palco mais de dentro,
epicentro mais fácil
e propício
para o bulício azul.
Catástrofe de nervo
e de sentido.
E o insustentável
mais ruído:
buracos no tricot
(In Queixas ou resignações)
Estas quase-noites das estampas:
azuis escuras, o sol às réstias louras
e mares cor de safira
Nem Gauguin e as angústias
que eram dele
tinham destas cores
Fosse Gauguin fotógrafo,
o seu comércio a estampa
(que não dores):
deitava-se na areia-cor-de-areia,
mimando o paraíso numa noite
que fosse de dormir
NARRAÇÕES (OU NEM TANTO)
I
«Na folha verde,
a aranha, de mansinho,
pé ante pé,
faz ninho»
Narrar o verso assim.
E porque não?
Porque não: rima curta e
corte em verso?
Em vez de rendilhado-
— teia azul:
um pedaço de rede
sem bordado.
Onde o verso, cansado
de regurgitar,
engolisse as laçadas
do bordado
em pontos de rimar.
II
Além de que as aranhas
não caminham
sub-repticiamente.
Mas criam de repente
uma avalanche
de patas e montanhas,
que provoca tamanhos
terramotos.
A folha verde:
o palco mais de dentro,
epicentro mais fácil
e propício
para o bulício azul.
Catástrofe de nervo
e de sentido.
E o insustentável
mais ruído:
buracos no tricot
(In Queixas ou resignações)
PAUL GUAUGUIN |
domingo, 21 de fevereiro de 2016
Keats
DEPOIS DA BRUMA TER ATRAVESSADO ESTAS PLANÍCIES
Depois da bruma ter atravessado estas planícies
por uma triste, longa estação, ergue-se um dia
nascido no aprazível Sul, que vem purificar
o doentio céu de todos os seus estigmas.
O mês ansioso, livre do sofrimento,
mais uma vez se nutre das sensações de Maio,
e, frescas, são as pálpebras como folhas
das rosas tocadas pelas chuvas de estio.
Calmos pensamentos nos cercam, como o florir
dos ramos... os frutos a amadurecer... o sol de Outono
que há pouco sorria sobre as colheitas abandonadas...
o frágil rosto de Safo... o respirar feliz de uma criança...
a areia de um instante que desliza serenamente...
um rio a atravessar o bosque... a morte de um poeta...
terça-feira, 16 de fevereiro de 2016
Myriam Fraga
PERSPECTIVA
Este é um mundo-limite
(A que me oponho)
De ciciadas palavras,
De mesuras,
De faces decalcadas
De outras faces
E de sentenças duras.
Este é um mundo-mentira
(Não me enganam)
Da espiral de cinza.
Do frangalho do sonho.
Onde a espera faz-se inútil
E o tempo é nada.
Mundo-agora.
O demônio com seus filtros
O desvairado cachorro.
Sua matilha.
Semeando este chumbo,
Esta ameaça.
Duro é o espreitar do olho
Em cada face.
Na boca devastada
A fome pasce
E a mão ensaia o gesto
E se disfarça.
Sobre MYRIAM FRAGA
Este é um mundo-limite
(A que me oponho)
De ciciadas palavras,
De mesuras,
De faces decalcadas
De outras faces
E de sentenças duras.
Este é um mundo-mentira
(Não me enganam)
Da espiral de cinza.
Do frangalho do sonho.
Onde a espera faz-se inútil
E o tempo é nada.
Mundo-agora.
O demônio com seus filtros
O desvairado cachorro.
Sua matilha.
Semeando este chumbo,
Esta ameaça.
Duro é o espreitar do olho
Em cada face.
Na boca devastada
A fome pasce
E a mão ensaia o gesto
E se disfarça.
Sobre MYRIAM FRAGA
BY GREG NOBLE |
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
Marize Castro
RÉQUIEM
Galáxias afastam-se.
Queimam em torno de um outono estranho.
Resgato-me. Sequestro-me.
Lanço-me em subterrâneos de éter.
Morta estarei mais viva.
Sem fomes, sem fezes, sem sangue, sem vítimas.
Próxima ao gélido rio, eis-me aqui,
neste vulcão tardio, ermo.
Túmulo de frágil aranha num mundo
de desejos e erros.
[In Lábios-espelhos]
Galáxias afastam-se.
Queimam em torno de um outono estranho.
Resgato-me. Sequestro-me.
Lanço-me em subterrâneos de éter.
Morta estarei mais viva.
Sem fomes, sem fezes, sem sangue, sem vítimas.
Próxima ao gélido rio, eis-me aqui,
neste vulcão tardio, ermo.
Túmulo de frágil aranha num mundo
de desejos e erros.
[In Lábios-espelhos]
phillip moore |
sábado, 13 de fevereiro de 2016
Eugénio de Andrade
Sobre Nuno Guimarães
Raramente amizade e morte me terão procurado quase ao mesmo tempo. Com Nuno Guimarães isso aconteceu. Eu pude ainda falar-lhe da sua poesia violentamente fascinada por essa forma molecular «onde o real oscila no seu leito»; desses campos visuais que se estendiam, roído por um sol lúcido e baixo de fim de outono, entre os territórios privilegiados de Cesário Verde e do último Carlos de Oliveira.
A sua lição, como ele foi o primeiro a afirmar, é realmente dura: uma escrita onde «tensão e atenção acumuláveis» descobrem as zonas de ruptura, a «duplicidade perfeita». Será o poeta o «fomentador da divisão»?
A esta pergunta não teve Nuno Guimarães já tempo de responder, mas a resposta, a mim, que sou como ele «insociável e corrompido por hábitos marítimos», não me faz falta. O que me perturba, agora ao reler os seus versos, é que tenha faltado à promessa de prosseguirmos juntos esse exercício de pastorear o ser.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2016
Marize Castro
À ESPERA
Porque nesta casa nada se oculta, eu te chamo.
Entre a vigília e o espelho, eu te espero.
Amo as palavras.
Por elas também virei homem.
Vi fúrias parindo fêmeas ávidas de linguagem.
Mulheres que deslizam.
Entregam-se. Desobedecem.
Dividem suas casas com os pássaros.
Mulheres que guardaram a senha:
fechar a porta a qualquer invasão.
Em silêncio, deixar cair
crucifixo, rosário, camafeu.
Nenhum véu. Nenhuma ilusão
[In Lábios-Espelhos, Natal (RN):UNA, 2009]
Porque nesta casa nada se oculta, eu te chamo.
Entre a vigília e o espelho, eu te espero.
Amo as palavras.
Por elas também virei homem.
Vi fúrias parindo fêmeas ávidas de linguagem.
Mulheres que deslizam.
Entregam-se. Desobedecem.
Dividem suas casas com os pássaros.
Mulheres que guardaram a senha:
fechar a porta a qualquer invasão.
Em silêncio, deixar cair
crucifixo, rosário, camafeu.
Nenhum véu. Nenhuma ilusão
[In Lábios-Espelhos, Natal (RN):UNA, 2009]
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016
Oswald de Andrade
NOSSA SENHORA DOS CORDÕES
Evoé
Protetora do Carnaval em Botafogo
Mãe do rancho vitorioso
Nas pugnas de Momo
Auxiliadora dos artísticos trabalhos
Do barracão
Patrona do livro de ouro
Proteje nosso querido artista Pedrinho
Como o chamamos na intimidade
Para que o brilhante cortejo
Que vamos sobremeter à apreciação
Do culto povo carioca
E da Imprensa Brasileira
Acérrima defensora da Verdade e da Razão
Seja o mais luxuoso novo e original
E tenha o veredictum unânime
No grande prélio
Que dentro de poucas horas
Se travará entre as hostes aguerridas
Do Riso e da Loucura
NA AVENIDA
A banda de clarins
Anuncia com os seus clangorosos sons
A aproximação do impetuoso cortejo
A comissão de frente
Composta
De distintos cavaleiros da boa sociedade
Rigorosamente trajados
E montando fogosos corcéis
Pede licença de chapéu na mão
20 crianças representando de vespas
Constituem a guarda de honra
Da Porta-Estandarte
Que é precedida de 20 damas
Fantasiadas de pavão
Quando 40 homens do coro
Conduzindo palmas
E artisticamente fantasiados de papoulas
Abrem a Alegoria
Do Palácio Floral
Entre luzes elétricas
(In Obras Completas 7 - Poesias Reunidas, Civilização Brasileira)
Evoé
Protetora do Carnaval em Botafogo
Mãe do rancho vitorioso
Nas pugnas de Momo
Auxiliadora dos artísticos trabalhos
Do barracão
Patrona do livro de ouro
Proteje nosso querido artista Pedrinho
Como o chamamos na intimidade
Para que o brilhante cortejo
Que vamos sobremeter à apreciação
Do culto povo carioca
E da Imprensa Brasileira
Acérrima defensora da Verdade e da Razão
Seja o mais luxuoso novo e original
E tenha o veredictum unânime
No grande prélio
Que dentro de poucas horas
Se travará entre as hostes aguerridas
Do Riso e da Loucura
NA AVENIDA
A banda de clarins
Anuncia com os seus clangorosos sons
A aproximação do impetuoso cortejo
A comissão de frente
Composta
De distintos cavaleiros da boa sociedade
Rigorosamente trajados
E montando fogosos corcéis
Pede licença de chapéu na mão
20 crianças representando de vespas
Constituem a guarda de honra
Da Porta-Estandarte
Que é precedida de 20 damas
Fantasiadas de pavão
Quando 40 homens do coro
Conduzindo palmas
E artisticamente fantasiados de papoulas
Abrem a Alegoria
Do Palácio Floral
Entre luzes elétricas
(In Obras Completas 7 - Poesias Reunidas, Civilização Brasileira)
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