terça-feira, 3 de abril de 2012

Clarice Lispector

Último texto escrito por CL, minutos antes de morrer. 

Sou um objeto querido por Deus. E isso me faz nascerem flores no peito. Ele me criou igual ao que escrevi agora: 'sou um objeto querido por Deus' e ele gostou de me ter criado como eu gostei de ter criado a frase. E quanto mais espírito tiver o objeto humano mais Deus se satisfaz.

Lírios brancos encostados à nudez do peito.

Lírios que eu ofereço e ao que está doendo em você. Pois nós somos seres e carentes. Mesmo porque certas coisas - se não forem dadas - fenecem. Por exemplo - junto ao calor de meu corpo as pétalas dos lírios se crestariam. Chamo a brisa leve para a minha morte futura. Terei de morrer senão minhas pétalas se crestariam. É por isso que me dou à morte todos os dias. Morro e renasço.

Inclusive eu já morri a morte dos outros. Mas agora morro de embriaguez de vida. E bendigo o calor do corpo vivo que murcha lírios brancos.

O querer, não mais movido pela esperança, aquieta-se e nada anseia.

 Meu futuro é a noite escura e eterna. Mas vibrando em elétrons, prótons, neutrons, mésons -  e para mais não sei, porém, que é no perdão que eu me acho.

Eu serei a impalpável substância que nem lembrança de ano anterior substância tem.

Olga Borelli. Clarice Lispector, Esboço para um possível retrato, Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1981, pp. 61-61

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