Com cem anos de escória uma lata aprende a rezar.
Com cem anos de escombros um sapo vira árvore e cresce
por cima das pedras até dar leite.
Insetos levam mais de cem anos para uma folha sê-los.

Em seixal de cor seca estrelas pousam despidas.
Mariposas que pousam em osso de porco preferem melhor
as cores tortas.
Com menos de três meses mosquitos completam a sua
eternidade.
Um ente enfermo de árvore, com menos de cem anos,
perde o contorno das folhas.
Aranha com olho de estame no lodo se despedra.
Quando chove nos braços da formiga o horizonte diminui.
Os cardos que vivem nos pedrouços têm a mesma sintaxe
que os escorpiões de areia.
A jia, quando chove, tinge de azulo seu coaxo.
Lagartos empernam as pedras de preferência no inverno.
O vôo do jaburu é mais encorpado do que o vôo das horas.
Besouro só entra em amavios se encontra a fêmea dele
vagando por escórias …
A quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso.
Caracóis não aplicam saliva em vidros; mas, nos brejos,
se embutem até o latejo.
Nas brisas vem sempre um silêncio de garças.
Mais alto que o escuro é o rumor dos peixes.
Uma árvore bem gorjeada, com poucos segundos, passa a fazer
parte dos pássaros que a gorjeiam.
Quando a rã de cor palha está para ter -
ela espicha os olhinhos para Deus.
De cada vinte calangos enlanguescidos por estrelas,
quinze perdem o rumo das grotas.
Todas estas informações têm soberba desimportância
científica – como andar de costas.
In O GUARDADOR DE ÁGUAS , Record: São Paulo, 2003, p. 40-41
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