segunda-feira, 28 de maio de 2012

Arnaldo Antunes


MANCHA

toda mancha
tem o desenho de uma
poça
com o contorno de uma
rocha
toda mancha
roxa
na pele
ou no papel
onde uma gota
de sangue
se derrama
no lenço
ou no lençol
da cama
como
mangue
ou ilha
numa foto
aérea
quase
esfera
filha
imprecisa
de orla
que o
acaso
forja
fora
do destino
sibilino
:
forma.

EXTRAIR

ex
trair
do tempo improvável, do improvável,
de suas maquinações, ações,
do ato regular que se dissipa em método, todo
hábito que habito, repito,
da meta inalcançável que me fita, cripta
do incontável número dos dias vividos, idos,
da inumerável cota dos dias por vir, ir,
da engrenagem que não pára, dispara,
sacode o chão que piso, piso
de um ônibus em movimento, momento
em que me agarro ao cilindro de metal do alto
-
a vida
-
não a que resta ainda, indo,
mas a que transborda de cada ar expirado, inspirado,
até que arrebente, vente.

Folha de são Paulo, Ilustrissima, 06 de maio de 2012

Nenhum comentário:

Rosa Alice Branco

  A Árvore da Sombra A árvore da sombra tem as folhas nuas como a própria árvore ao meio-dia quando se finca à terra e espera co...