domingo, 23 de setembro de 2012

Antonio Moura

PAI
Desempregado há três anos
no país do futuro

Batendo perna nas ruas
com o mostruário de meias

Adivinhando
o signo da morena
o ascendente da loira

Jogando xadrez
assobiando um samba
colecionando borboletas
descobrindo a fórmula exata
da tinta para balão
(tinta que não racha
sobre a pele inflável)

Contra as determinações médicas
filando cigarro
fazendo piada com a perna
que pode ser amputada
louvando as próteses modernas
dizendo que morre antes disso
que não vai dar trabalho
que some de casa
vai pro asilo

Meu pai de novo ao volante
guiando o negro Landau

O velho e bom batmóvel
rodando sem freio ou cinto 
o vento de Gotham no rosto
minha cabeça no banco de couro

Meu pai cantando alto
limpo e bonito como só ele
numa estrada clara
sem pedágio ou limite
de felicidade

Novo endereço (2002)

BARRABÁS
Vocês não podem velar 
o corpo do meu marido 
Ao lado do desse aí 
que a polícia acertou

Vocês me desculpem 
imagino o sofrimento 
perder um filho assim moço

Meu Cícero 
morreu trabalhando 
Um tiro pelas costas à
s duas da manhã 
Ao lado do desse aí 
o corpo dele não vai gelar

Não adianta insistir 
ao lado de bandido 
meu marido não fica
Ibidem

Fonte: Roteiro da Poesia Brasileira anos 90, seleção e prefácio de Paulo Ferraz, São Paulo: Global, 2001, pp. 126-127




Nenhum comentário:

Fernando Paixão

  Os berros das ovelhas  de tão articulados quebram os motivos.   Um lençol de silêncio  cobre a tudo  e todos. Passam os homens velho...