Houve o tempo em que se acreditava
no poder da estampa:
dizer um nome;
no dizê-lo por escrito o dito era tinta
e espírito unidos a quem
o dizia de modo
fisiológico, porque tudo lhe pertencia.
Louca tecnologia a de um tempo aquele
em que se acreditava
que o nome assim
escrito pudesse acender uma janela para
tanto todos tudo um mesmo fruto, e nisso
um cinema sem
tempo, uma ciência do instante,
o poema, acredite, era o que parecia, que
a
felicidade se fabricava nos pertencia.
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Recebemos um cartão. Onde estará? Havia
um sinal
característico, a carta, o papel,
a linha-d'água, era possível segui-la,
ia dar
numa árvore, numa cidade; talvez
fosse longe a mão que nos fizesse companhia,
mas o farol, Pequena Ursa, boias de luz
certificavam se era ou não a direção
certa;
porque as iniciais no envelope não mentiam,
havia presságios e, logo depois, a prova, bastava
escolher
os nomes, saber a data, agitávamos
um lenço e, então, protocolo, métrica, ali-
ança,
pantomima, avistávamos no outro
lado o nosso rosto e a terra e o tempo; ou
uma
frase qualquer consolava do desgosto
de, afinal, não sabermos muita coisa,
tanto
engano, nunca sermos nada, mas nada era
tão terrível assim. Nunca foi de
outro modo,
afinal. Recebemos um cartão. Onde andará?
Era uma palavra que dizia exatamente
o que eu pensava.
[In Sentimental, São Paulo, Companhia das Letras, 2012, pp. 62-63]
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