quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Eucanaã Ferraz

ÚLTIMAS NOVIDADES
Houve o tempo em que se acreditava 
no poder da estampa: dizer um nome; 
no dizê-lo por escrito o dito era tinta 
e espírito unidos a quem o dizia de modo

fisiológico, porque tudo lhe pertencia.
Louca tecnologia a de um tempo aquele 
em que se acreditava que o nome assim 
escrito pudesse acender uma janela para

tanto todos tudo um mesmo fruto, e nisso 
um cinema sem tempo, uma ciência do instante, 
o poema, acredite, era o que parecia, que 
a felicidade se fabricava nos pertencia.

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Recebemos um cartão. Onde estará? Havia 
um sinal característico, a carta, o papel, 
a linha-d'água, era possível segui-la, 
ia dar numa árvore, numa cidade; talvez 
fosse longe a mão que nos fizesse companhia, 
mas o farol, Pequena Ursa, boias de luz 
certificavam se era ou não a direção certa; 
porque as iniciais no envelope não mentiam,
havia presságios e, logo depois, a prova, bastava 
escolher os nomes, saber a data, agitávamos 
um lenço e, então, protocolo, métrica, ali­-
ança, pantomima, avistávamos no outro 
lado o nosso rosto e a terra e o tempo; ou 
uma frase qualquer consolava do desgosto 
de, afinal, não sabermos muita coisa, tanto 
engano, nunca sermos nada, mas nada era 
tão terrível assim. Nunca foi de outro modo, 
afinal. Recebemos um cartão. Onde andará?
Era uma palavra que dizia exatamente 
o que eu pensava.

[In Sentimental, São Paulo, Companhia das Letras, 2012, pp. 62-63]

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