Para Ana Ajmátova
Para aquele que nunca ficou sem palavras,
eu vo-lo digo,
aquele que só sabe ajudar-se a si mesmo
com as palavras,
este não pode ser ajudado
nem pelo caminho curto
nem pelo caminho longo.
Fazer sustentável uma única frase,
agüentar o ding-dong das palavras.
Que ninguém escreva esta frase
que não a assine.
*****
NADA DE DELIKATESSEN
Já não gosto de nada.
Devo
enfeitar uma metáfora
com uma flor da amendoeira?
Crucificar a sintaxe
sobre um efeito de luz?
Quem vai quebrar a cabeça
por coisas tão supérfluas?
Eu aprendi a ser sensata
com as palavras
que há
(para a classe mais baixa).
Fome,
desonra,
lágrimas
e
trevas.
Com os soluços depurados,
com a desesperança
(e desespero da desesperança)
por tanta miséria,
pelo estado dos enfermos, o custo da vida,
darei um jeito.
Não descuido da escritura,
mas de mim mesma.
Os outros sabem
Deus sabe
o que fazer com as palavras.
Eu não sou o meu assistente.
Devo aprisionar um pensamento
e levá-lo à cela iluminada de uma frase?
Alimentar olhos e ouvidos
com bocados de palavras de primeira?
Investigar a libido de uma vogal,
descobrir o valor diletante das nossas consoantes?
Mesmo com
a cabeça apedrejada,
com o espasmo de escrever nesta mão
sob a pressão de trezentas noites
devo romper o papel,
varrer as urdidas óperas de palavras,
destruindo assim : eu, tu e ele, ela,
nós, vós?
(Que seja. Que sejam os outros).
Que se perca a minha parte.
Tradução do espanhol: Alejandro Carvajal
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Otto Mueller |
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