Ó chama
Que a consumir celebras,
Cinza
Que a dispersar recolhes.
Chama, sim, que apagas
Da mesa sacrificial do estio
A febre, os sobressaltos
Da mão crispada.
Chama, para que a pedra do céu claro
Fique lavada desta sombra, e seja
Um deus criança que brinque
Na acritude da seiva.
Sobre ti me debruço, colho, de joelhos,
Chama que vais,
A impaciência, o ardor, o luto, a solidão
Em tua fumaça
Sobre ti me debruço, aurora, e pego
Nas minhas mãos a tua face. Tempo lindo
Faz na cama deserta! Eu sacrifico
E és a ressurreição do que eu queimo.
Chama
Nosso quarto de outro ano, misterioso
Como uma proa de barca que passa.
Chama, esse vidro
Na mesa da cozinha abandonada,
Em V.
Entre os escombros.
Chama, de sala em sala,
O estuque,
Toda uma indiferença, iluminada.
Chama essa lâmpada
Onde faltava Deus
Acima do portal daquele estábulo.
Chama
A vinha do relâmpago, distante,
No pisoteamento dos bichos que sonham.
Chama essa pedra
Onde a faca do sonho lidou tanto.
[In Yves Bonnefoy, Obra Poética, Tradução e org. Mário Laranjeira, São Paulo, Iluminuras, 1998, 266-267]
quarta-feira, 2 de julho de 2014
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