quinta-feira, 26 de março de 2015

Álvaro de Campos

ESTOU CANSADO, É CLARO

Estou cansado, é claro

Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.

De que estou cansado, não sei:

De nada me serviria sabê-lo,

Pois o cansaço fica na mesma.

A ferida dói como dói

E não em função da causa que a produziu.

Sim, estou cansado,

E um pouco sorridente

De o cansaço ser só isto-

Uma vontade de sono no corpo,

Um desejo de não pensar na alma,

E por cima de tudo uma transparência lúcida

Do entendimento retrospectivo…

E a luxúria única de não ter já esperanças?

Sou inteligente: eis tudo.

Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,

E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,

Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.


O QUE HÁ EM MIM É SOBRETUDO CANSAÇO

O que há em mim é sobretudo cansaço –

Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.


A subtileza das sensações inúteis,

As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto em alguém,

Essas coisas todas –

Essas e o que falta nelas eternamente -;

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.


Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada –

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Porque eu amo infinitamente o finito,

Porque eu desejo impossivelmente o possível,

Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,

Ou até se não puder ser…


E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,

Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto…

Para mim só um grande, um profundo,

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,

Um supremíssimo cansaço,

íssimo, íssimo, íssimo,

Cansaço…


NÃO, NÃO É CANSAÇO

Não, não é cansaço…

É uma quantidade de desilusão

Que se me entranha na espécie de pensar,

E um domingo às avessas

Do sentimento,

Um feriado passado no abismo…


Não, cansaço não é…

É eu estar existindo

E também o mundo,

Com tudo aquilo que contém,

Como tudo aquilo que nele se desdobra

E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.


Não. Cansaço por quê?

É uma sensação abstracta

Da vida concreta –

Qualquer coisa como um grito

Por dar,

Qualquer coisa como uma angústia

Por sofrer,

Ou por sofrer completamente,

Ou por sofrer como…

Sim, ou por sofrer como…

Isso mesmo, como…


Como quê?…

Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.


(Ai, cegos que cantam na rua,

Que formidável realejo

Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)


Porque oiço, vejo.

Confesso: é cansaço!…


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