sábado, 25 de abril de 2015

Ana Luísa Amaral

A VOZ
Confundem-me os degraus destas escadas:
serão de inferno ou céu,
ou porque espero aqui,
se nada me visita, nem me espreita:
só este lenço embainhado
a branco

E tudo em esquecidíssima aquarela,
como eu esquecido estou,
menos em verso —

Se pudessem escutar-me em fio de lume,
se do fundo do tempo
me trouxessem,
e às memórias de mim,
dos que comigo olharam o horror
de ter nascido, para morrerem
nem sequer inteiros —

Se a prenda inteira
que nesse dia a minha mãe me deu
fosse sentida pelas mães a ser
como coisa tão delas
que a dor se adiantasse à dor
do desperdício

Talvez se sossegassem estas vozes,
que me enchem de reparos e de fumos,
e não se calam, não se calam
nunca

E eu saberia enfim como estas malhas
podem ser destecidas
como os tempos,
veria onde me levam os degraus

E deitava-me enfim,
e podia dormir,
além dos versos —

[In ESCURO, Lisboa: Assírio & Alvim, 2014, pp. 57-58]


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