sexta-feira, 17 de abril de 2015

Flannery O´Connor

Meu bom Deus, somos tão estúpidos até Tu nos dares qualquer coisa. Mesmo ao orarmos, és Tu que tens de orar em nós. Gostava de escrever uma prece bonita, mas falta-me a matéria-prima. Há em volta de mim um vasto mundo sensível que eu deveria ser capaz de usar como instrumento em Teu louvor; mas não consigo. Todavia, num qualquer momento insípido em que eu talvez esteja a pensar em cera para o soalho ou em ovos de pombo, as primeiras palavras de uma prece bonita poderão emergir-me do subconsciente, levando-me a escrever um texto inflamado. Não sou filósofa, caso contrário conseguiria entender estas coisas.

Se eu me conhecesse plenamente, meu bom Deus, se conseguisse descobrir em mim própria todos os traços pedantes e egocêntricos, falhos de sinceridade, o que seria eu, afinal? Mas que faria eu em relação a estes sentimentos que ora são medo, ora alegria, que se encontram demasiado fundo para que o meu entendimento os alcance? Tenho medo das mãos insidiosas, oh, Senhor, que buscam às apalpadelas nas trevas da minha alma. Por favor, sê a minha sentinela contra elas. Por favor, sê a barreira no alto do desfiladeiro. Será que conservo a minha fé somente por preguiça, meu bom Deus? Esta, porém, é uma ideia que agradaria a alguém racional até à medula.

[In Um Diário de Preces, prefácio de Pedro Mexia, tradução Paulo Faria,  Lisboa: Relógio D´Água, 2014, p. 21].

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