sexta-feira, 10 de abril de 2015

Nydia Bonetti

1.
era manhã bem cedo e se julgava pássaro
quando caiu a tarde
se viu pedra
(e sua cota era apenas um dia)
vida de pedra deveria ter vivido
não viveu
sonhando asas
pássaros — teriam pousado e feito ninho


2.
teu rosto no retrato / os olhos fundos
perdidos
como quem busca vida
distantes
como quem sabe o tempo
verdes em sépia na fotografia
grafada face / sagrada grafia /
lábios cerrados como quem pressente
o grande silêncio


3.
no território imperfeito em que habitamos
a pele é fronteira
afetos são águas que fluem  / em fios
ou caudalosos rios
ausências / profundezas abissais
memórias são trilhas / que a mata densa
e invasiva da vida cotidiana
encobre lentamente


4.
o tempo insiste
em arrastar móveis pesados
há sempre um piano
que não passa na porta
notas suspensas
cordas frágeis
que sempre ruem
antes que o piano toque a rua
em áspero ruído


5.
e o homem se curva :-parece ser sina
trocar o fardo milenar das culpas
pelo pós-moderno fardo do vazio
há que se ter um peso a ser carregado
a leveza parece não ser humana
não se sustenta. enquanto barro:-pesa


6.
quando a noite me olha, na sua hora mais escura
e o silêncio me encara
com seus olhos de pedra
e murro
------------paraliso
pela vidraça
chuva negra de ferpas e granizo
estilhaços de vidro
e vento
tentam furar meus olhos
------------aquários vazios
onde o último peixe
morreu de sede e medo
do gato imaginário - olhos de fogo e faca - fera
que jamais existiu


7.
todas as vozes que um dia julguei
vindas do céu
vinham de dentro
de mim
julgo então não haver céu
ou — eu o contenho.


8.
que o sangue escoe
quente viscoso fosco no humano fosso
(indecifráveis delírios)
que fragmente a bomba. e fira
olhos e bocas
e que se rasguem bandeiras — inúteis
tecidos fronteiras
tudo parece arder — então por que
poetas só ousam tocar
nos visgos dos corpos do fogo das suas
próprias peles
(devassa inocência)
e dormem — imersos em seus silêncios

SOBRE NYDIA BONETTI
Nydia Bonetti, engenheira civil, nasceu em Piracaia, interior de São Paulo, onde reside. Mantém o blog L o n g i t u d e s (http://nydiabonetti.blogspot.com). Colaboradora na Revista Mallarmargens. Tem poemas publicados em revistas e sites literários e culturais: Revista Zunái, Portal Cronópios, Musa Rara, Eutomia, Germina Literatura, e outras. Faz parte da coletânea QASAÊD ILA FALASTIN (Poemas para a Palestina), Selo ZUNAI e da Antologia Digital Vinagre - Uma antologia dos poetas neobarrocos. Publicada em 2012, pela Coleção Poesia Viva, do Centro Cultural São Paulo, na antologia Desvio para o vermelho (Treze poetas brasileiros contemporâneos), organizada pela poeta Marceli Andresa Becker. Publicada também em 2012 pelo Projeto Instante Estante, de incentivo à leitura, curadoria de Sandra Santos, Castelinho Edições. Participou da Poemantologia da Revista Arraia PajéuBR, numa iniciativa conjunta com o Portal Cronópios.  Autora do livro de poemas Sumi-ê.

BLOG DA AUTORA




Nenhum comentário:

Fernando Paixão

  Os berros das ovelhas  de tão articulados quebram os motivos.   Um lençol de silêncio  cobre a tudo  e todos. Passam os homens velho...