A memória de
Cacilda Becker
Alberto D’Aversa
Telcy Perez
I
FAÇO as inquirições de ser e morte e não respondo:
sou pouco para o largo desse campo.
Olho os verdes do templo e indago e não respondo.
Também as vozes que se alongam pela nave,
penso, não nos respondem. Se calamos
é por cansaço e sombra, é por temor da morte,
e grande irrespondida, a mais calada.
Faço o palpar do pulso e ainda não ouço,
meu saber dessas coisas tão pequeno.
Quem pode haver do coração a mágoa
surda, como os ruídos dentro d’água?
Se para o coração, caminha a morte.
Não há quem me responda de outra sorte.
II
Onde está quem não está? Onde, no ar,
está quem já se foi? No ar? Na relva?
Onde a semente está, há alguém? Alguém há sempre?
Onde estou eu estarei eu somente?
Onde estou eu, Amor está, semente.
Mas a quem já não está, Amor não salva.
Quem já não está jaz numa tabula de prata.
III
Uso palavras como pedras como beijos
meu amigo morreu
falando de esperança
Eu ensaio lutar olhando a rua
as árvores
o verde de suas folhas sobre o rio
O amigo era
de largo peito e profunda alegria
Olho a manhã com lágrimas nos olhos
as árvores depois as sementes
o amigo
Eu não bebi bastante o vinho de seu riso
não me lembro do gosto de sua pele
mas penso — porque não — construir-lhe um jazigo
onde ele sentado sobre a pedra
a sorrir convidasse os passantes a ouvi-lo
a ouvir o meu amigo...
As árvores
depois suas folhas
seus filhos
o amigo e seu perfil desdobrado no rio
vejo o barco e os reflexos
o amigo
morreu quando esperava ter chegado à vida
Eu uso versos como gritos
como espadas
Mas amava esse amigo
e não sabia nada.
[In Obra Poética, São Paulo, Hucitec, 1995, pp. 190-191].
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