sábado, 2 de janeiro de 2016

Jorge Luis Borges

O ANJO
Que o homem não seja indigno do Anjo
cuja espada o protege
desde que o gerou aquele Amor
que move o sol e outras estrelas
até o Ultimo Dia em que ressoe
o trovão na trombeta.
Que não o arraste a vermelhos bordéis
nem aos palácios que erigiu a soberba
nem às tavernas insensatas.
Que não se entregue à súplica
nem ao ultraje do pranto
nem à fabulosa esperança
nem às pequenas magias do medo
nem ao simulacro do histrião;
o Outro o observa.
Que lembre que jamais estará só.
Ou no público dia ou na sombra,
o incessante espelho o confirma;
que não macule seu cristal uma lágrima.

Senhor, que até o fim de meus dias sobre a Terra
eu não desonre o Anjo.

O SONHO
A noite nos impõe sua tarefa
mágica. Destecer o universo,
as infinitas ramificações
de efeitos e de causas, que se perdem
na vertigem sem fundo que é o tempo.
A noite quer que esta noite esqueças
teu nome, teus ancestrais e seu sangue,
cada palavra humana e cada lágrima,
o que a vigília pôde te ensinar,
o ponto ilusório dos geômetras,
a linha, o plano, o cubo, a pirâmide,
o cilindro, a esfera, o mar, as ondas,
tua face sobre a fronha, o frescor
do lençol estreado, os jardins,
os impérios, os Césares e Shakespeare
e o que é mais difícil, o que amas.
Curiosamente, uma pílula pode
riscar o cosmos e erigir o caos.

[Poesia Borges, Companhia das Letras, 2009, pp. 340-341]



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