quinta-feira, 13 de julho de 2017

Fernando Sernadas

POEMA SEM DIRECÇÃO
Um poema não é um pão
Um pão é um poema a haver
De pão falar em poesia nunca rima
Por ser o pão da ordem política
Mesmo em obras de arte o pão aparece
Sempre inteiro nunca a repartir
Still-Lifes com frutos brilhantes e intocáveis
De ser a arte purgante mas só no purgatório da vida
Por estar cheio o purgatório da morte

Um poema ainda não é arte
Enquanto arte é regressar a casa à hora certa
Mesmo se a ovelha perdida do rebanho ao cair da noite
Porque em arte também se não fala de quem sofre
Pode o poeta falar interminávelmente do seu próprio sofrer
Mas se se atreve a mencionar milhões de outros seres sofredores
Fica logo conhecido como um poeta menor
Porque o sofrimento também é da ordem política
E fica a arte sem tema a não ser as palavras que a política não quer

A arte em poesia são pensamentos claros e óbvios
Não interessa que espere o leitor o repetitivo por causa do ritmo
O óbvio tem que ser o espelho onde nos não vemos ainda
O fio de água que de submerso mais fresca nos mata a sede
Um ser humano a pensar não esquece
As vísceras da ovelha morta sobre o orvalho, a cabeça inteira rejeitada pelos lobos
Uma mente pensante é um sol de milénios
Mas acaba por cegar os acomodados
Não há descanso possível para o poeta pensante
E mesmo assim é acusado de comunista e ninguém o leva a sério

Ser comunista não é da ordem política
Mas mesmo assim comunista não é de se dizer em nemhum poema
Simplesmente há coisas que se não dizem em arte
Porque a arte tem sempre um selo de destino
Que o poeta saiba o destino da sua arte
Não ilumina ninguém mas também ninguém sai cego
Por isso todo os jovens poetas devem primeiro saber para quem escrevem
E nunca escrever poemas como este

Fernando Sernadas, Saída, 2005

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