segunda-feira, 10 de junho de 2019

Eugénio de Andrade

DO OUTRO LADO
Também eu já me sentei algumas vezes às portas do crepúsculo, mas quero dizer-te que o meu comércio não é o da alma, há igrejas de sobra e ninguém te impede de entrar. Morre se quiseres por um deus ou pela pátria, isso é contigo; pode até acontecer que morras por qualquer coisa que te pertença, pois sempre pátrias e deuses foram propriedade apenas de alguns, mas não me peças a mim, que só conheço os caminhos da sede, que te mostre a direcção das nascentes.

SOBRE A SOMBRA
Era setembro, era onde a sombra rói os ramos. Os corpos são mais jovens nestas dunas, e só os jovens nos podem ensinar. Por isso os procuramos, e a pergunta é sempre a mesma — como se morre? Envelhecer não é assim tão simples, por mais que digam. Quantos dias de sol o declínio nos reserva? Por quanto tempo poderemos amá-los, a esses jovens, sem os ofender? Esta alegria de noutros corpos sermos ainda alguma juventude, como guardá-la, sem a degradar?

(In Poesia e Prosa - 1940-1979)

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