ASCESE E ASPIRINA
Parece que o papa está pensando em canonizar um casal. Adoro o papa, mas torço pra ele não fazer bobagem do tipo: "... porque mesmo em tal estado (o do matrimônio, onde homem e mulher dormem juntos) não faltam frutos de santidade ... ' Ai, quero ar. Tia Zina a esta hora começa a ficar insuportável, vai me aporrinhar pra valer. Mudei em alguma coisa, sim. Tempos atrás pedia, tira meu medo, Deus. Hoje digo, estou com medo, meu Pai, me abraça. Contudo, continuo pedindo que Ele aumente minha fé. Ontem minha cabeça doia tanto, até tomei umas gotas de navalgina, como diz a Maria Dalva. Achei tão ruim ter tomado as gotas. depois considerei: uma mulher com fé não é uma mulher enfezada e acreditar que novalgina cura dor de cabeça também é milagre. Fiquei livre do escrúpulo de ter procurado alívio, fiquei mais mansa. A Soninha chega a qualquer hora, resolvi ter paciência com ela. que venha e encha quantas latas quiser de pão de queijo, cada um faz o que sabe, não é mesmo? Continuarei a mulher que sempre fui, mas de um jeito, como direi, salvífico, oferecendo ao homem a margem suportável de perigo, mistério e sofrimento. São pensamentos que, se eu escrever ou falar, parecerão copiados. Não fosse tia Zina precisar tanto de mim, ia me dedicar mais a entender eu mesma o que acabei de descobrir. Entre as mulheres a guerra é atômica, nos vários sentidos desta palavra bomba. Tirei isto de onde? Estou rindo de quê? Sabina deixou um recorte de jornal debaixo da minha porta: APARIÇÃO DE NOSSA SENHORA EM MINAS GERAIS! É gozação dela comigo, porque a vidente tem o mesmo nome meu e ela pensa que vou sair correndo para ver a aparição. Boba, Nossa Senhora está na minha casa e é me esperando, pra me ajudar a dar banho em tia Zina, sem fazer careta. Sabina emprega muito mal a palavra mística. Tivesse ela que dar banho em tia Zina, descobriria com quanta água e sabão se faz um santo. Falo sem soberba, não quero menos.
Extraído de "Filandras", Record: São Paulo, 2001, pp. 79-80
sábado, 21 de abril de 2012
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