A luz da vela no basement
Clarice me disse, contou
o sonho que era meu e dela
O sonho narrado não perde
a clara neblina em que envolto nasce
e se é Clarice quem narra
antes mais veste e reveste
Inútil pensar que as imprecisas formas
que ora se chegam ou afastam do modelo
adquirem, faladas, o contorno exato
de Gala, da pedra, ou do pintor que as pinta
Por isso a palavra escolhe tanto
e várias, cada uma trazendo
um pedaço da imagem que se esquiva
e se trasmuda envelhecendo a frase
E as palavras têm de correr
atrás do sentido ou mágicas se tornam
para vestir a elusiva forma
que dos dedos se escapa ou da memória
E assim Clarice fala
que o meu caminho conhecera, tomou
de minha mulher o ventre apalpara, apalpou
dentro de mim se enluvou
e para Clarice aquele sonho no basement
ou o vinho no copo à luz da vela
ou as vinte pessoas na sala ou a noite
tinham todos a nítida fixação da névoa.
Geraldo Holanda Cavalcanti, Poesia Reunida, Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 1998, p. 151-152
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