segunda-feira, 30 de julho de 2012

Murilo Mendes

COISAS 
Coisas, e a morte que existe nelas,
Experiência de desconsolo e de fatalidade
Para as pálpebras que voltaram do amanhã:
Coisas do cristal e do pêssego,
Vacilações da onda fria do veludo;
Coisas sem ângulos e sem vértice 
Que no mesmo dia nascem e morrem;
Coisas da letra, não da combinação das letras,
Mas da letra em si;
Coisas do fogo que se transferem ao ar,
Coisas do fim que se transferem ao principio, 
Coisas que poderiam ser restos de roupagens de anjos,
Mas que em bastidores de teatro nem se usam.

Coisas da ligação de certos objetos
Que separadamente nada significam para nós; 
Coisas do céu que se encontram por antecipação, 
A chama de Pentecostes conservada
Para que o mundo não se entregue ao frio,
E a medalha com o olhar da minha mãe;
Coisas amadas que se atiram ao lixo 
E coisas sem valor que divinizamos. 
A cinza de todos os dias
Evocada somente na quarta-feira de cinzas:
Saber que todo este pó desce de Deus
Que no final dos tempos
Provará as coisas pelo fogo,
Tudo o que deixaremos no mundo
Para experimentar a prova do fogo:
Exceto nossa alma despojada de coisas
Que tateia nas trevas, 
Pesquisando o arquétipo de onde veio.

[In Poesia Completa e Prosa, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p.548]

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