terça-feira, 28 de agosto de 2012

Adélia Prado


NEM PARECE AMOR
Perdi a conta das vezes
que retomei esta escritura
sem avançar de sítios pantanosos,
tomando por melodia
o que era um ranger de ferros
de máquina contristada em seu limite.
Foi ontem e já tem cem anos,
faz um minuto só,
foi agora e foi nunca,
jamais aconteceu,
não há, não houve,
o que não tem palavras não existe.
De quem é então esta pegada?
Este filete de sangue?
Masturbações, risadas,
caretas no escuro, aliterações picarescas,
comem do meu cansaço em mesa farta.
Aquele que não responde
trata-me como a um cão
que por não ter aonde ir
se enrodilha aos Seus pés.

QUERIDO LOUCO
Quando um homem delira, 
de onde fala sua alma a língua 
para todas as línguas traduzível 
sem prejuízo de sua insensatez?
Ouvi-la obriga a alfabeto novo, 
dói tanto que os relógios param.
Tem piedade de mim é o mesmo que 
‘me dá um chinelo pra eu surrar o enfermeiro,
Deus é bom, nas famílias em crise ninguém escuta ninguém’.
Tira do bolso nota de pouca valia, 
me dando a senha pra encerrar a visita: 
Obrigado por tudo e vai com Deus, 
vai comprar pra você uma coisa bonita.

In A DURAÇÃO DO DIA, São Paulo: Record, 2010, pp. 92-93

By Dany TheMummy



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