quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Cecília Meireles

MULHER ADORMECIDA
Moro no ventre da noite: 
sou a jamais nascida.
E a cada instante aguardo vida.

As estrelas, mais o negrume
são minhas faixas tutelares, 
e as areias e o sal dos mares.

Ser tão completa e estar tão longe! 
Sem nome e sem família cresço, 
e sem rosto me reconheço.

Profunda é a noite onde moro.
Dá no que tanto se procura.
Mas intransitável, e escura.

Estarei um tempo divino 
como árvore em quieta semente, 
dobrada na noite, e dormente.

Até que de algum lado venha 
a anunciação do meu segredo 
desentranhar-me deste enredo,

arrancar-me à vagueza imensa, 
consolar-me deste abandono, 
mudar-me a posição do sono.

Ah, causador dos meus olhos, 
que paisagem cria ou pensa 
para mim, a noite densa?
(Mar Absoluto e outros poemas)

PRELÚDIO
Que tempo seria, 
ó sangue, ó flor, 
em que se amaria 
de amor.

Pérolas de espuma, 
de espuma e sal.
Nunca mais nenhuma 
igual.

Era mar e lua: 
minha voz, mar.
Mas a tua. . . a tua,
luar!

Coroa divina 
que a própria luz 
nunca mais tão fina 
produz.

Que tempo seria, 
ó sangue, ó flor, 
em que se amaria 
de amor!
(Mar Absoluto e outros poemas)

In: Obra Poética, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983, pp. 238-239




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