terça-feira, 11 de setembro de 2012

Afonso Henriques Neto

QUANDO O SOL
quando o sol tornar a colorir a figueira da montanha
aves iluminadas estarão cantando em teu silêncio.

escutarás então o inexistente tempo 
fluindo sob o peso morno das lágrimas 
sob sob.

quando o sol tocar o vento
e os longos dedos de gelo
coçarem a pele da manhã
incendiando os galos e os cabelos
das árvores e das montanhas
ninfas girando entre vertigens castanhas

quando o sol puxar entre os dentes 
o interno verbo de todas as galáxias 
altas redes de vento e luz e infinito

saberás que atrás de cada tortura 
de cada assassínio 
de toda a impostura

detrás de cada negação ou falsificação 
do humano manancial 
o olhar da vida

o permanente olhar da vida
sempre ardeu como um grito saltando do pó do avesso do ódio
dos ossos das sepulturas dos cárceres do rosto vazio e 
implacável
(Restos & estrelas & fraturas - 1975)

In: Roteiro da Poesia Brasileira - anos 70, seleção e prefácio Afonso Henriques Neto, São Paulo: Global, 2009, p. 114


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