Ao menos se esticasse um pouco o tempo,
Um dia não se fosse em uma hora,
Veria um certo tempo que não vejo.
Não por manter cerrados os meus olhos,
Mas por deixar que ouçam o velho canto
Das horas limitadas pelo espaço.
Cruel limite: já não pode o espaço
- Nunca pôde - se erguer diante do tempo.
O resto que se esprema pelo canto
E ao centro uma batalha hora a hora
Do rio, que a correr diante dos olhos,
Parece afogar tudo enquanto vejo.
Mas sei que quanto mais de tudo eu vejo
Mais posso caminhar no meu espaço,
Bastando que se eduquem os próprios olhos
Deixando-os olhar, de tempo em tempo,
Todos os lados de uma mesma hora,
E não somente vê-la de um só canto.
Não fica harmonizado como um canto
O que não há silêncio (o qual não vejo),
E passa pelo tempo a qualquer hora.
Quiçá seja o silêncio lá do espaço
O vácuo que não sente o nosso tempo
Por não tê-lo a vazar os próprios olhos.
E o que será que vêem nossos olhos?
Como dizer, cantando como eu canto,
Em avanço e em evasão ao mesmo tempo?
Do que veria dentro de um espaço
Olhando e nada vendo a toda hora.
E penso mais: que enfim chegou a hora
De eu alternar o foco dos meus olhos
Em tudo o que há de belo neste espaço.
De ver em cada lado e em cada canto,
Ouvir o que não ouço e o que não vejo,
Enquanto houver espaço e restar tempo.
Que seja todo o tempo uma só hora,
Pois vejo muito mais se fecho os olhos
E guardo a vida a um canto sem espaço.
AS SOMBRAS DAS ÁRVORES
Surge um grande mistério sob as árvores.
É um outono singular. Vêm as musas
Soprar frutos estéreis que nos cubram
De sensação viril de liberdade.
Contudo, apenas sensação, não ela.
A liberdade em si, não-material,
Como sugere a sombra destas árvores,
Não há, sequer numa sutil ideia
De que existe algum descanso da imagem
E do que ela tem por trás e por dentro.
Caiam as folhas, que o farfalhar é
Uma proposição tão invisível
Quanto isto que há na sombra destas sombras.
Não vejo, e creio firme em suas raízes.
Fonte: A Musa Diluída, São Paulo: Record, 2006, pp. 33-35
Website de Henrique Rodrigues
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