quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Renata Pallottini

ANTONIO EM LISBOA
1
Ouve, Antonio, quando fores a Lisboa 
espera a noite chegar,
mas que seja noite funda
e noite desesperada,
sai pra longe da cidade
pra fora, ao que lá se chama
não sei se fora de portas 
e vai ao Lobos do Mar.
O lobo é falsificado,
o mar é falsificado,
Nazaré cheira a Miami
mas não faz mal.
Vai e diz àqueles lobos
que eu os amo com constância,
com muita inutilidade
como convém que se ame
ao que longe nos está.
Em disponibilidade:
e que choro a madrugada
(e que choro a madrugada)
que me arrebatou de lá.

2
Imprecisão de lugares e réstias de sol sobre as pedras;
um cheiro de flor anônima: ciência de primavera.

Lembras-te do café no Rocio? Era de tarde,
o frio era amável e abria os braços
enquanto a fonte distribuía pássaros.

Lembras-te dos livros postos para a nossa gula?
Depois de subir a ladeira
que grande fome, a nossa, de Pessoa!

Bela coisa, ter-se fome e ser primavera,
bela coisa, beber-se café num grande gole tranqüilo
e estar-se tão imensamente vivo,
com o ar transeunte entre os dedos,
com sangue nos lábios conscientes
que vedam para sempre as palavras denunciadoras,
que guardam para sempre essa solene alegria.

3 (Cantadeira)
Fazes pensar num quarto — água-furtada —
num leito modestíssimo e insalubre
onde deitassem tua submissão.

Ali, tendo a cabeça subjugada,
havias de cantar um fado triste
pra aquela original celebração

a alguém que por mulher te tomaria
e não, como o desejas, por canção.

[In Obra Poética, São Paulo, Editora Hucitec, 1995, p. 82-84]
Abel Manta

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