A chuva é uma companheira no Baixo Loire, a metade fiel de
uma vida. Com isso a região ganha um estilo particular, porque no mais é
bastante atípica. As nuvens carregadas de vapores do oceano entram à altura de
Saint-Nazaire no estuário do Loire, sobre o rio, e numa elevatória incessante,
derramam sobre a região de Nantes seu sobejo de umidade. No conjunto,
quantidades nada consideráveis se nos referimos à monção, mas sabiamente
destiladas o ano inteiro, de modo que, para as pessoas de passagem que nem
sempre pegam uma estiada, a reputação do lugar é logo decretada: nuvens e
chuvas. Difícil de desfazer, mesmo alegando a lendária amenidade do clima – da qual
dão prova as missas que crescem em terra não-cultivada, e, aqui e acolá,
algumas palmeiras desfolhadas em jardins de tabelião – pois as medidas estão aí:
horas de insolação, índice pluviométrico, balanço anual. O tempo é úmido, não há
dúvida, mas de tal maneira as pessoas se habituam que acabam não fazendo caso. Jura-se
de boa fé, sob um chuvisco tenaz, que aquilo não é chuva. Quem usa óculos
enxuga maquinalmente as lentes, vinte vezes ao dia, acostumando-se a caminhar
por trás de uma constelação de gotículas que difratam a paisagem, retalham-na,
gigantesca anamorfose no meio da qual se distinguem mal os pontos de referência:
avança-se de memória. Mas quando escurece e chove mansamente sobre a cidade, quando
os anúncios em néon piscam e desenham na noite marinha sua caligrafia luminosa,
essas estrelinhas dançantes que cintilam diante dos olhos, essas fagulhas
azuis, vermelhas, verdes, amarelas que salpicam nossas lentes criam uma festa
digna de Versalhes. Em comparação, tirados os óculos, como o original é sem
graça.
Excerto de “Os campos de Honra”, Rio de Janeiro, Record,
1990, trad. Moacir Werneck de Castro, p. 15.
Jean Rouad nasceu Campbon em Loire-Atlantique, França. Admirador de Paul
Claudel e Paul Éluard. Com sua primeira obra, Les champs d´honneur, recebeu o Prêmio Goncourt 1990.
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