quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Henriqueta Lisboa

AS PALAVRAS
1
Este é um planeta de palavras
neutras movíveis e versáteis
que de rodízio pela ponte
vão ter à margem oposta

Candentes em água fria
petrificadas no fogo
tumultuam-se as palavras
umas prontas para o jogo
outras intactas à sorte

Mantêm auras de mistério
nos percursos de ida e volta
conforme o sangue que as gera
o incentivo que as abrasa
conforme a língua que as solta
ou que as segura na raça.

2
Os cardos se abriram
fecharam-se os lírios
horizontes amplos
estreitaram o âmbito
só pela palavra
que em tempo de espera
nos foi sonegada.

A casa estremece
no próprio alicerce
pelo desatino
de alguma palavra
de metal ferino
que nos fira o ouvido
sem qualquer preparo.

Os verdes ondulam
ao longo das várzeas
espelhos se aclaram
no colo das grutas
por palavra terna
que a alma nos enleva
no momento exato.

Ó cores nascidas
ó sombras criadas
ó fontes detidas
Ó águas roladas
Ó campos abertos
por simples palavras.

3
Segredos expostos
tingem de rubor
a palavra rosa

Como que em deslize
tocam-se cristais
na palavra brisa

Algo se insinua
de abandono e flauta
na palavra azul

Desgastados mantos
 pesam sobre o leito
da palavra fama

Espinheiro agreste
rompe raiva e ruge
na palavra guerra

Não há luz que corte
o ermo corredor
da palavra morte.

ROSA PLENA
Rosa plena. Em glória 
de cor
de forma 
de febre
de garbo.
Em auréola sobre si mesma
estática.
Em arroubo diante da luz
dinâmica.
Enrodilhada em aconchego de concha 
buscando o núcleo.
Fugindo-lhe ao cerco
asas aflantes flamejantes.

Rosa plena.
Turíbulo. Ostensório. 
Convite à valsa dos ventos.
Tributo ao círculo — perfeição 
de chegar e partir.
Cada pétala é um sonho de retorno.
E as pétalas se avolumam compactas 
e esmaecidas logo se despejam ao longo e ao largo
— no fascínio 
do pretérito pelo devir.
Sangue em oblata 
Amor e morte
pela revelação.
Rosa plena.
Poesia, 
que se fez Carne.

(Pousada do Ser)

Henriqueta Lisboa, Obras Completas, Vol. I, Poesia Geral,  São Paulo, Duas Cidades, 1985, pp. 514-517.

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