1
Este é um planeta de palavras
neutras movíveis e versáteis
que de rodízio pela ponte
vão ter à margem oposta
Candentes em água fria
petrificadas no fogo
tumultuam-se as palavras
umas prontas para o jogo
outras intactas à sorte
Mantêm auras de mistério
nos percursos de ida e volta
conforme o sangue que as gera
o incentivo que as abrasa
conforme a língua que as solta
ou que as segura na raça.
2
Os cardos se abriram
fecharam-se os lírios
horizontes amplos
estreitaram o âmbito
só pela palavra
que em tempo de espera
nos foi sonegada.
A casa estremece
no próprio alicerce
pelo desatino
de alguma palavra
de metal ferino
que nos fira o ouvido
sem qualquer preparo.
Os verdes ondulam
ao longo das várzeas
espelhos se aclaram
no colo das grutas
por palavra terna
que a alma nos enleva
no momento exato.
Ó cores nascidas
ó sombras criadas
ó fontes detidas
Ó águas roladas
Ó campos abertos
por simples palavras.
3
Segredos expostos
tingem de rubor
a palavra rosa
Como que em deslize
tocam-se cristais
na palavra brisa
Algo se insinua
de abandono e flauta
na palavra azul
Desgastados mantos
pesam sobre o leito
da palavra fama
Espinheiro agreste
rompe raiva e ruge
na palavra guerra
Não há luz que corte
o ermo corredor
da palavra morte.
ROSA PLENA
Rosa plena. Em glória
de cor
de forma
de febre
de garbo.
Em auréola sobre si mesma
— estática.
Em arroubo diante da luz
— dinâmica.
Enrodilhada em aconchego de concha
buscando o núcleo.
Fugindo-lhe ao cerco
— asas aflantes flamejantes.
Rosa plena.
Turíbulo. Ostensório.
Convite à valsa dos ventos.
Tributo ao círculo — perfeição
de chegar e partir.
Cada pétala é um sonho de retorno.
E as pétalas se avolumam compactas
e esmaecidas logo se despejam ao longo e ao largo
— no fascínio
do pretérito pelo devir.
Sangue em oblata
Amor e morte
pela revelação.
Rosa plena.
Poesia,
que se fez Carne.
(Pousada do Ser)
Henriqueta Lisboa, Obras Completas, Vol. I, Poesia Geral, São Paulo, Duas Cidades, 1985, pp. 514-517.
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