Um dia, Clarice Lispector
intercambiava com amigos
dez mil anedotas de morte,
e do que tem de sério e circo.
Nisso, chegam outros amigos,
vindos do último futebol,
comentando o jogo, recontando-o,
refazendo-o, de gol a gol.
Quando o futebol esmorece,
abre a boca um silêncio enorme
e ouve-se a voz de Clarice:
Vamos voltar a falar na morte?
João Cabral de Melo Neto, Obra Completa, Editora Nova Aguilar S.A., Rio de Janeiro, 1994, pág. 560.
RUBEM BRAGA E O HOMEM DO FAROL
É necessário vocação
na carreira de faroleiro.
Consta do serviço civil,
tem obrigações e direitos.
Porém não se entra nela como
em qualquer outra profissão:
entrar para ser faroleiro
é como entrar em religião.
É como entrar-se para a Igreja
numa ordem contemplativa,
pois no alto cargo se cavalgam
vazios propícios à mística.
Na torre só, mais: isolado
de tudo o que faz transeunte,
habita a linha de fronteira
onde espaço e tempo se fundem.
O mar em volta do farol
é qual relógio sem ponteiros.
O faroleiro é só em si,
sem companhia nem do espelho.
O faroleiro é como nu,
ser devassado por janelas
que o cercam de todos os lados
e para o nada sempre abertas,
sobretudo para esse nada
que há na fronteira espaço-tempo:
o silêncio, que abafa como
almofada de algodão denso.
Ora o nada aberto ao redor
leva-o à posição uterina,
fechando-o ainda mais em si,
habitando a moela mais íntima,
ora dissolve o faroleiro,
que embora desperto se anula:
as vias da contemplação,
qualquer das duas, se quer, usa.
Rubem Braga uma vez tentou
salvá-lo do não metafísico:
foi visitar um faroleiro
titular de uma ilha do Rio.
Rubem Braga logo decide:
não é homem de introspecção.
Vê que precisa de diálogo
esse afogado em tanto não.
De volta ao Rio, nos jornais,
lança um apelo: que doassem
vitrolas, rádios, qualquer voz
ao navegante sem navegagens.
João Cabral de Melo Neto, Obra Completa, Editora Nova Aguilar S.A., Rio de Janeiro, 1994, pp. 607-608
RUBEM BRAGA E O HOMEM DO FAROL
É necessário vocação
na carreira de faroleiro.
Consta do serviço civil,
tem obrigações e direitos.
Porém não se entra nela como
em qualquer outra profissão:
entrar para ser faroleiro
é como entrar em religião.
É como entrar-se para a Igreja
numa ordem contemplativa,
pois no alto cargo se cavalgam
vazios propícios à mística.
Na torre só, mais: isolado
de tudo o que faz transeunte,
habita a linha de fronteira
onde espaço e tempo se fundem.
O mar em volta do farol
é qual relógio sem ponteiros.
O faroleiro é só em si,
sem companhia nem do espelho.
O faroleiro é como nu,
ser devassado por janelas
que o cercam de todos os lados
e para o nada sempre abertas,
sobretudo para esse nada
que há na fronteira espaço-tempo:
o silêncio, que abafa como
almofada de algodão denso.
Ora o nada aberto ao redor
leva-o à posição uterina,
fechando-o ainda mais em si,
habitando a moela mais íntima,
ora dissolve o faroleiro,
que embora desperto se anula:
as vias da contemplação,
qualquer das duas, se quer, usa.
Rubem Braga uma vez tentou
salvá-lo do não metafísico:
foi visitar um faroleiro
titular de uma ilha do Rio.
Rubem Braga logo decide:
não é homem de introspecção.
Vê que precisa de diálogo
esse afogado em tanto não.
De volta ao Rio, nos jornais,
lança um apelo: que doassem
vitrolas, rádios, qualquer voz
ao navegante sem navegagens.
João Cabral de Melo Neto, Obra Completa, Editora Nova Aguilar S.A., Rio de Janeiro, 1994, pp. 607-608
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