Doce Mariana melancólica,
a evocação do teu passado
é um novo Ribeirão do Carmo
a propiciar centelhas de ouro,
em redundâncias e reflexos
do ouro que dava e sobejava
ao lume das correntes de água
quando as primeiras descobertas
eram fascínio para os povos.
Vejo-te ainda como outrora
encravada no coração
das Minas-do-Ouro, o porte ardente
das montanhas que serpenteiam
em torno de planície e vale
acenando para os de longe,
defendendo seu patrimônio
da gana dos faiscadores,
prometendo mundos e fundos
para a alforria do futuro
na gangorra do perde-ganha.
Retomo à Fonte das Saudades:
a mesma lua a antiga lua
inaugura a noite em que as Fadas
de tanto sonho pelo azul
pairam nos ares vêm baixando
em revoada de transparência
para o mergulho à flor do lago
entre lucilações e espumas.
Logo erguida nas próprias asas
Fada formosa entre as demais
abraça a lira e apura o canto:
Serás Mariana uma Rainha
sagrada para sempre à chama
desse “Candor Lucis Aeternae"
— pergaminho de privilégio
para teus foros de cristã.
E no “Áureo Trono Episcopal”
em sintonia de homenagem
ao Bispo Dom Manuel da Cruz
vencerás a imaginação
das cores das formas dos sons.
Tal cerimônia se inicia:
São flautas pífanos clarins
são claras vozes de cristal
cantando antífonas e salmos.
São arcos e jardins suspensos
dosséis portando girassóis.
São cavalos ajaezados
de ouro e veludo carmesim.
São figuras de alegoria
ornadas de plumas e franjas
de diamantes e de topázios.
Uma delas ostenta à fronte
um rubi que desfere fogo.
Vai desfolhando-se a Folhinha
a marcar um dia e mais outro.
Ê sexta-feira da Quaresma.
Ressoa meia-noite em ponto.
Já vem vindo em lento cortejo
a Procissão do Miserere.
Não se abram portas nem janelas
que a rua pertence aos defuntos.
Almas em grau de penitência,
envoltas em manto e capuz
carregando velas de cera
pisando áscuas de fogo fátuo,
exprobam os sete segredos
por que finalmente se salvem.
Guia espiritual da Província
Mariana do primeiro ofício:
Fé Esperança e Caridade
foram teus dons para que sejam
remissíveis os teus pecados.
Salvem-se do tempo teus templos
teus palácios de amplas varandas
tuas pratarias avoengas
as messes do teu Seminário
tuas Irmãs da Providência.
Salvem-se os exemplos mais altos
do servo de Deus Dom Viçoso
de braços abertos em pálio
pelo sinal que te abençoe.
Teu ouro, oculto nas gavetas
para surpresa de rivais
à hora da avaliação do peso
no confronto diante do Reino,
além da doação de arrobas
sobrou para beneficiar
a florescência do Barroco
no revestimento de entalhes.
Ouro de maior relevância
extraído das minas da alma
entre as brumas da solidão
pulsa na pena de teus poetas:
Cláudio desbrava seus penhascos
mais rudes que os da natureza
— pastor apascentando musas.
Alphonsus diante do oratório
mais celestial do que terrestre
desfia o rosário de pérolas.
A saudade punge e conforta.
Em meio a vultos que pervagam
e confidências que se enleiam,
com mãos trêmulas o crepúsculo
afaga teus ombros recurvos,
doce Mariana melancólica.
[In Henriqueta Lisboa, Obras Completas, Vol. I, Poesia Geral, São Paulo, Duas Cidades, 1985, pp. 229-232]
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