Chipre não é uma ilha, mas duas
penínsulas. De um lado
os Gregos, do outro os Troianos,
que, como na Ilíada,
são apenas dois modos
de se olhar Helena: os trabalhos
de a ter e o castigo de a ter
perdido. O avião
chega como a faca no porco.
Ulisses, o artífice
do engenho, aterrou
perfeito no seu fato azul
mediterrâneo. Nestor
conduz-nos até ao hotel
pela paisagem desértica e Helena,
esse nome nos lábios
como livro decorado para exame.
(Ou será antes como as putas
a quem nos feriados se paga?
Depois das montanhas, o mar
a origem de todos os crimes
sobre a terra. À chegada
aos muros da cidade
há muito mais vento
do que árvores, muito
mais vento do que almas,
muito mais do que qualquer outra coisa) pensamos
em Aquiles, em tudo
o que não trouxemos.
Se fosse só para sofrer,
pela vida, não se tinha vindo
aqui. A felicidade fica
para os turistas, às mãos
de Ulisses e da culinária
abjecta onde gastam as suas
economias. Nestes séculos
quem morre mata. Por isso
a vida é uma cor,
não tem significado.
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(O Tabaco de Deus, Edições Cotovia: Lisboa, 2002, pp. 30-31)
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