segunda-feira, 15 de abril de 2013

Sándor Márai


Pode ser que ele nos respeitasse e que, na verdade, gostasse de nós. Entretanto nem a mãe nem eu o compreendemos. Foi esse o fracasso das nossas vidas.
Gwen John
Você diz que para o amor não é preciso nem é possível haver "compreensão”? Está enganada, querida. Eu também dizia isso, durante muito tempo gritei essa resposta e essa acusação para os céus. O amor, ou ele existe ou não existe. O que há para “com­preender” nisso?... De que vale o sentimento humano que tem por trás uma intenção, uma consciência?... Escute, quando a gente envelhece, descobre que tudo é diferente, é preciso “com­preender” tudo, é preciso aprender tudo, também sobre o amor. Sim, não balance a cabeça, não sorria. Somos humanos, e tudo nos atinge por meio da nossa compreensão. Os sentimentos e impulsos se tornam toleráveis por meio da compreensão; de outro modo seriam insuportáveis. Não basta amar. 
Bem, não vamos discutir por esse motivo. Sei o que sei. Paguei bem caro por isso. Quê?... Com a vida, com a vida toda. Com o fato de que estou aqui sentada com você nesta confeitaria, no salão ver­melho, e meu marido manda que embrulhem laranja cristalizada para outra. Não me surpreende por outro lado que ele leve laranja cristalizada para casa. Ele tinha um gosto assim vulgar em tudo.
Para quem?... Para a outra mulher. Não gosto de dizer o nome dela. Para aquela com quem ele se casou depois. Não sabia que ele se casou?... Pensei que a notícia tivesse chegado a Boston, a vocês, nos Estados Unidos. Você vê, somos assim estúpidos. Somos capazes de acreditar que as questões pessoais, as verdadei­ras, são acontecimentos mundiais. Quando tudo ocorreu, a sepa­ração, o novo casamento do meu marido, aconteciam coisas gran­des no mundo, países eram desmembrados, preparava-se uma guerra, até que um dia a guerra se concretizou... Não foi surpresa, Lázár também disse que as coisas para as quais as pessoas se prepa­ram durante muito tempo, com muita determinação, empenho, planejamento e prudência — por exemplo, a guerra —, por fim acontecem. Mas não me teria surpreendido se naqueles dias os jornais, na primeira página, em letras maiúsculas, noticiassem a minha guerra, as minhas batalhas, as minhas derrotas, as vitórias eventuais, e, de um modo geral, as linhas de frente que constituíam a minha vida... Mas isso é outra história. Quando o bebê nasceu, estávamos longe disso.

In: DE VERDADE, Companhia das Letras: São Paulo, 2008, pp. 33-34.

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