sábado, 6 de abril de 2013

Sebastião Uchoa Leite


TEMPUS FUGIT N. 1

Não celebrar o sol 
mestre de tantas solércias.
Sol sovina,
amante do dia efêmero.
Não soletrar no céu 
qualquer salvação ou mensagem 
numa salva de gases.
Não saudar o dia, não dizer “Bom-dia” 
aos impacientes, nem indagar a saúde 
dos pacientes.
Ser cordial com a ruína.
Mas não ser turista da miséria 
nem depositar cheques no banco da fome. 
Especula-se a hora, a metafísica da luz 
a energia do mal?
Compreender que o dia é transeunte,
que a claridade é uma forma de transição.
Todos passeiam na transação do tempo
e se fazem boas transações
na cama burguesa, no sono finito.


TEMPUS FUGIT N. 2

Aqui deste alto pavimento, isolado 
do real vivido e dividido 
pelas folhas de vidro e aço, 
vê-se a ponte em perspectiva.
Não se vê o dragão nem a donzela 
daquele cenário de Ucello 
nem a Ville Blanche de Vieira da Silva, 
reflexos compostos em abstração, 
mas a máquina humana viva, 
a mecânica da vida concreta.
O outro lado não é previsível: 
a cidade é uma lâmina fria 
cortando cômodas suposições.
Uma lâmina curva que decepa 
a sóbria reta que se traçou na ponte. 
Matemática do passeio, 
composição do livre arbítrio, adeus!
As traças devoram
os livros de estampas góticas ou modernas.

In Obra em Dobras, São Paulo, Duas Cidades, 1988, pp. 168-169

Sobre Sebastião Uchoa Leite

Basquiat

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