TEMPUS FUGIT N. 1
Não celebrar o sol
mestre de tantas solércias.
Sol sovina,
amante do dia efêmero.
Não soletrar no céu
qualquer salvação ou mensagem
numa
salva de gases.
Não saudar o dia, não dizer “Bom-dia”
aos impacientes, nem
indagar a saúde
dos pacientes.
Ser cordial com a ruína.
Mas não ser turista da miséria
nem depositar cheques no
banco da fome.
Especula-se a hora, a metafísica da luz
a energia do mal?
Compreender que o dia é transeunte,
que a claridade é uma forma de transição.
Todos passeiam na transação do tempo
e se fazem boas transações
na cama burguesa, no sono finito.
TEMPUS FUGIT N. 2
Aqui deste alto pavimento, isolado
do real vivido e
dividido
pelas folhas de vidro e aço,
vê-se a ponte em perspectiva.
Não se vê o dragão nem a donzela
daquele cenário de Ucello
nem a Ville Blanche de Vieira da Silva,
reflexos compostos em abstração,
mas a
máquina humana viva,
a mecânica da vida concreta.
O outro lado não é previsível:
a cidade é uma lâmina fria
cortando cômodas suposições.
Uma lâmina curva que decepa
a sóbria reta que se traçou na
ponte.
Matemática do passeio,
composição do livre arbítrio, adeus!
As traças devoram
os livros de estampas góticas ou modernas.
Sobre Sebastião Uchoa Leite
Nenhum comentário:
Postar um comentário