domingo, 19 de maio de 2013

Adélia Prado

LÍNGUAS
Meu coração
é a pele esticada de um tambor. 
Como tentação a dor percute nele, 
travestida de dor, pra que eu desista, 
duvide de que tenho um pai.
Vem tudo em forma de carne, 
grandes mantas de carne palpitante, 
recobrindo ossos, frustrações, desejos 
sobre os quais tenho culpa e devo purgar-me 
até que eu mesma seja apenas ossos.
Um sujo me salvará, 
quando pegar minha cuia 
e comer à vista dele 
sem sentir ânsia de vômito.
As sombras dos satélites 
conspurcaram as estrelas.
Que faço para escrever de novo 
‘louvado sejas pelo capim verde’ 
ou até mesmo o gemido 
‘meu coração nem em sonhos repousa’.
Vou perguntar até que interpolado 
e ininteligível tudo se ordene 
como oração em línguas 
e em forma de um cansaço me abençoes.

In A DURAÇÃO DO DIA, São Paulo: Record, 2010, p. 96.


Amadeo de Souza Cardoso

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