quinta-feira, 9 de maio de 2013

Emílio Moura

POEMA
SERÁ possível esquecer que a noite desceu sobre os
[campos
e que ninguém, aqui, acredita mais que tudo o que
[os corações perderam há de ressurgir, um dia?
 Será possível esquecer que só a perplexidade é que
[nos domina,
que o próprio tempo já não importa mais e que já
[estamos mortos e bem mortos?
Será possível esquecer, mas esquecer, como quem
[nasce de novo,
que esta noite é mesmo noite ?
Podem pedir que venha a Amada,
e que, diante de sua aparição mítica, os nossos cora-
[ções brinquem.
De que nos valerá pedir tanto, se as consciências já
[se fecharam e os corações dormem ?
Em lugar deles, o que se levantou foi uma coluna
[de fogo.
Por que não pedem silêncio ?
Por que não gritam que já morremos ?
Oh ! é impossível esquecer, eu bem sei, mas esque-
[cer como quem nasce de novo
que já estamos mortos e bem mortos.
Quem explicará aos que vierem depois de nós que
[nossa verdade foi soterrada ?
Quem há de entender as nossas almas, se ainda somos daqueles que assistiram ao próprio
[ato da criação,
se pertencemos, ainda maravilhados, à infância mes-
[ma do mundo?

[In POESIA 1932-1948, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1953, pp. 259-260]. 

Philip Guston

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