sexta-feira, 3 de maio de 2013

Ruy Belo

PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA
Meu único país é sempre onde estou bem
    é onde pago o bem com sofrimento
    é onde num momento tudo tenho
    O meu país agora são os mesmos campos verdes
    que no outono vi tristes e desolados
    e onde nem me pedem passaporte
    pois neles nasci e morro a cada instante
    que a paz não é palavra para mim
    O malmequer a erva o pessegueiro em flor
    asseguram o mínimo de dor indispensável
    a quem na felicidade que tivesse
    veria uma reforma e um insulto
    A vida recomeça e o sol brilha
    a tudo isto chamam primavera
    mas nada disto cabe numa só palavra
    abstracta quando tudo é tão concreto e vário
    O meu país são todos os amigos
    que conquisto e que perco a cada instante
    Os meus amigos são os mais recentes
    os dos demais países os que mal conheço e
    tenho de abandonar porque me vou embora
    porque eu nunca estou bem aonde estou
    nem mesmo estou sequer aonde estou
    Eu não sou muito grande nasci numa aldeia
    mas o país que tinha já de si pequeno
    fizeram-no pequeno para mim
    os donos das pessoas e das terras
    os vendilhões das almas no templo do mundo
    Sou donde estou e só sou português
    por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez

[In Transporte no Tempo, 1973]

Sobre o Autor



2 comentários:

Anônimo disse...

um luxo. este "amor".




imf

Antonio Damásio disse...

Este "Amor" é nosso! Ficará ainda mais luxuoso quando sua presença aqui for aumentada. Bjos

Fernando Paixão

  Os berros das ovelhas  de tão articulados quebram os motivos.   Um lençol de silêncio  cobre a tudo  e todos. Passam os homens velho...