1910
(Intermezzo)
Aqueles olhos meus de mil e novecentos e dez
não viram enterrar os mortos,
nem a feira de cinza do que chora pela madrugada,
nem o coração que treme arrincoado como um cavalinho de mar.
Aqueles olhos meus de mil e novecentos e dez
viram a branca parede onde as meninas urinavam,
o focinho do touro, a seta venenosa
e uma lua incompreensível que iluminava pelos cantos
os pedaços de limão seco sob o preto duro das garrafas.
Aqueles olhos meus no pescoço da égua,
no seio traspassado de Santa Rosa dormindo
nos telhados do amor, com gemidos e mãos frescas,
num jardim onde os gatos devoravam as rãs.
Desvão onde o pó velho congrega estátuas e musgos,
caixas que guardam silêncio de caranguejos devorados
no lugar onde o sonho tropeçava em sua realidade.
Ali meus pequenos olhos.
Não me perguntem nada. Já vi que as coisas
quando buscam seu curso encontram seu vazio.
Há uma dor de vácuos pelo ar sem gente
e em meus olhos criaturas vestidas, sem nudez!
Nova Iorque, agosto de 1929
Federico Garcia Lorca, Romanceiro Gitano e outros Poemas, trad. Oscar Mendes, Rio de Janeiro: José Aguilar Editora, 1974, p. 94.
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