O MUNDO, A NANQUIM
Os traços já vão se apagando, mais de quinhentos
anos passados. Quando a tinta ainda era fresca,
os traços já iam se apagando. Os galhos retorcidos
estão aqui, os mesmos galhos com o frescor de sempre
atiçando os troncos no ar. Posso vê-los recortando
o espaço, prolongando a rocha, desenhando trilhas.
Subir pelo caminho deserto provocaria em mim
ora uma sensação de descanso, ora um cansaço
da solidão excessiva. Um pouco abaixo do centro,
à direita, uma moita de bambus curvados pelo tempo.
Deve haver alguém por perto para aprender a lição.
O solo branco, de neve. Não: não faz o frio
que ela causaria. Talvez, sejam apenas os traços
se apagando, o papel branco aparecendo com o gesto do
pincel. No bosque de bambu, algumas manchas se assemelham,
quem sabe, a uma casa camuflada com arbustos
e relevos do solo. Por toda montanha, pelas rochas
e pelos bambus, pelos troncos e pelos galhos, pela
espessura da tinta no alto da página e pelo capim delgado
na planície, pelas águas e pelos barcos pesqueiros,
mesmo pela casa escondida por toda a paisagem e pelos
ideogramas que por nada decifro, só não encontro aquilo
para que o título, com humor, aponta: um homem
lendo, numa cabana do ermo bosque de bambu.
In Ecometria do silêncio, in A Fronteira Desguarnecida (Poesia Reunida 1993-2007), Rio de Janeiro, Azougue Editorial, p. 87
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
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