sábado, 24 de agosto de 2013

Eugenio Montale

Tudo logo será mais rude no mar 
que florescerá com tons mais sombrios. 
Entretanto está assim, sob o dilúvio 
do sol por terminar.

Uma ondulação subverte
formas limites já agora abstratos:
toda força decidida diverge
do curso. A vida vai crescendo aos saltos.

E como fosse fogueira sem fogo 
que se preparava para claras senhas: 
nesse lume o nosso faz-se pouco, 
nessa chama ardem rostos e empenhos.

Desaperta teu coração repleto 
no abrir-se de uma vaga; 
afunda como pedra de lastro 
o teu nome com um baque na água!

Um delírio astral é desencadeado, 
um mal calmo e luzente.
Veremos a hora da serenidade 
vir-nos talvez pela esfera ardente.

Encostas sobre nós declinam 
de vinhas baixas, em planos. 
Respigadoras lá em cima cantam 
com vozes desumanas.

Oh a vindima estiva, 
a distorção no curso
das estrelas! — de onde em nós deriva
um estupor com laivos de remorso.

Falas e a própria voz não reconheces.
A memória parece-te apagada.
Com o que passaste ainda sentes 
a tua vida consumada.

Agora, o que há de ser? — teu peso provas 
de novo, inesperado assenta 
nos seus eixos tudo quanto oscilava, 
e o encanto não se sustenta.

Ah aqui hemos de estar, sem diferença. 
Imóveis assim. Nossa voz ninguém 
mais escuta. Submersos assim 
numa voragem de azul que se adensa.

In Ossos de Sépia, p. 179-181.


GUSTAVE COUBERT

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