domingo, 25 de agosto de 2013

Paul Verlaine

Meu sonho familiar
Muitas vezes, o sonho estranho me surpreende
de uma ignota mulher que eu amo e que me adora,
e que a mesma não é, certamente, a toda hora,
não sendo outra, porém, e me ama e me compreende.
Todo o meu coração deixo que ela o desvende.
Ela somente o faz transparente e o avigora,
E se eu sofro, se a dor minha fronte descora,
ela é o consolo ideal que sobre mim se estende.
É ela trigueira, ou loira, ou ruiva? – Eu o ignoro.
Seu nome? Apenas sei que ele é doce e sonoro
como o de quem se amou e da vida fugiu.
Seu olhar, como o olhar de uma estátua, é sem alma,
e tem na sua voz, grave, longínqua e calma,
a inflexão de uma voz cara que se extinguiu.
(Trad. de Onestaldo de Pennafort)

Canção de outono
Estes lamentos
Dos violões lentos
     Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
     De sono.
E soluçando,
Pálido quando
     Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doudos
     De outrora.
E vou à-toa
No ar mau que voa,
     Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
     E morta.  
(Trad. de Guilherme de Almeida)
             
O amor por terra
O vento da outra noite atirou em baixo o Amor
que num canto do parque, o mais misterioso,
brandindo o arco traidor, sorria, malicioso,
e que um dia nos fez sonhar com tanto ardor!
O vento da outra noite o derrubou! O mármore
à brisa matinal rola, esparso. E contrista
olhar-se o pedestal, onde o nome do artista
se lê dificilmente entre as sombras de uma árvore.
Oh! como é triste ver somente o pedestal
de pé! E, no meu pobre e atormentado sonho,
os pensamentos maus vão e vêm, no medonho
pressentimento de um futuro ermo e fatal.
Como é triste! E tu mesma estás enternecida
com esse quadro, se bem que te distraia o olhar
aquela borboleta, ouro e púrpura, a voar
sobre as ruínas do Amor que juncam a avenida.
(Trad. de Onestaldo de Pennafort)        
         
Em surdina
Calmos, na sombra incolor
Que dos galhos altos vem,
Impregnemos nosso amor
Deste silêncio de além.
Juntemos os corações
E as almas sentimentais
Entre as vagas lassidões
Das framboesas, dos pinhais.
Cerra um pouco o olhar, no teu
Seio pousa a tua mão,
E da alma que adormeceu
Afasta toda intenção.
Deixemo-nos persuadir
Pelo sopro embalador
Que vem a teus pés franzir
As ondas da relva em flor.
A noite solene, então,
Dos robles negros cairá,
E, voz da nossa aflição,
O rouxinol cantará.
(Trad. de Guilherme de Almeida)

Colóquio sentimental
No velho parque frio e abandonado
Duas formas passaram, lado a lado.
Olhos sem vida já, lábios tremendo,
Apenas se ouve o que elas vão dizendo.
No velho parque frio e abandonado,
Dois vultos evocaram o passado.
- Lembras-te bem do nosso amor de outrora?
- Por que é que hei de lembrar-me disso agora?
- Bate sempre por mim teu coração?
Vês sempre em sonho minha sombra? – Não.
- Ah! aqueles dias de êxtase indizível
Em que as bocas se uniam! – É possível.
- Como era azul o céu, e grande, o sonho!
- Esse sonho sumiu no céu tristonho.
Assim por entre as moitas eles iam,
E só a noite escutou o que diziam.
(Trad. de Guilherme de Almeida)

O lar, o resplendor
O lar, o resplendor da lâmpada velada;
o divagar com a fronte entre as mãos apoiada
e os olhos se perdendo entre os olhos amados;
a hora do chá sutil e dos livros fechados;
o êxtase de sentir a tarde agonizante;
o lânguido cansaço; a espera inebriante
da sombra nupcial dentro da noite mansa…
Oh! atrás disso tudo o meu sonho se lança,
a contar, apesar de demoras insanas,
impacientemente, os meses e as semanas!
(Trad. de Onestaldo de Pennafort)

O ruído dos cafés
O ruído dos cafés; a lama das calçadas;
os plátanos pelo ar desfolhando as ramadas;
o ônibus, furacão de rodas e engrenagens,
enlameado, a ranger num rumor de ferragens
e girando o olho verde e rubro das lanternas;
os operários a caminho das tavernas,
com os cachimbos à boca a afrontarem os guardas;
paredes a ruir; telhados de mansardas;
sarjetas pelo chão resvaladiço e imundo, -
tal meu caminho, – mas com o paraíso ao fundo.
 (Trad. de Onestaldo de Pennafort)  

Arte poética
                         A Charles Morice
Antes de tudo, a Música. Preza
Portanto, o Ímpar. Só cabe usar
O que é mais vago e solúvel no ar
Sem nada em si que pousa ou que pesa.
Pesar palavras será preciso,
Mas com certo desdém pela pinça:
Nada melhor do que a canção cinza
Onde o Indeciso se une ao Preciso.
Uns belos olhos atrás do véu,
O lusco-fusco no meio-dia
A turba azul de estrelas que estria
O outono agônico pelo céu!
Pois a Nuance é que leva a palma,
Nada de Cor, somente a nuance!
nuance, só, que nos afiance
o sonho ao sonho e a flauta na alma!
Foge do Chiste, a Farpa mesquinha,
Frase de espírito, Riso alvar,
Que o olho do Azul faz lacrimejar,
Alho plebeu de baixa cozinha!
A eloquência? Torce-lhe o pescoço!
E convém empregar de uma vez
A rima com certa sensatez
Ou vamos todos parar no fosso!
Quem nos dirá dos males da rima!
Que surdo absurdo ou que negro louco
Forjou em joia este toco oco
Que soa falso e vil sob a lima?
Música ainda, e eternamente!
Que teu verso seja o voo alto
Que se desprende da alma no salto
Para outros céus e para outra mente.
Que teu verso seja a aventura
Esparsa ao árdego ar da manhã
Que enche de aroma ótimo e a hortelã…
E todo o resto é literatura.
(Trad.  de Augusto de Campos)

Fonte: escamandro.wordpress.com/

Sobre Paul Verlaine  



mary ann boysen
      

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