“Junto dos rios de Babilônia, ali nos sentamos a chorar, lembrando-nos de Sião.”
Salmo CXXXVI: 1.
Março de 1944.
A Carlos Drummond de Andrade
Sim, Monte Sião do País das Gerais esquecida filha.
Quando tuas auras soprarem por sobre os campos de
Ninguém, tuas rosas inda se mostrarão sorrindo?
Chorando? - Não, Monte, que as rosas nem riem nem choram:
Exiladas como as freiras, são mortas para o mundo.
Nem te direi que tuas terras estejam morrendo,
Ou, abandonadas, sejam apenas sepulcros,
Em que nem vida vive, nem pão medra.
Somente esta ausência, que as migrações plantaram,
Lhes dá este ar de interinidade precária.
Ou são as cartas chamando os últimos compadres,
Ou são os filhos buscando os derradeiros pais -
Velhas mineiras de fichu e xaile,
Embarcando num segundão da Rede (Mineira de Viação).
Tristeza maior, no entanto, seu moço, é a dos cemitérios,
Morrendo entre gramas por falta de combustão.
Lá longe, no Favacho, no Angaí, no Ouro Fala,
As fazendas vão crescendo e os sítios desaparecendo.
Piloto, nas estradas, já não late namorando a lua.
E um cantar de galos é terrível na solidão.
Quando parti das tuas terras que a tristeza amua,
Inda deixei alguns, poucos macróbios que,
Ao toque dos sinos, até hoje à vila vão!
Atrás iam ficando as primaveras raquíticas
E coqueiros, solitários, que projetam,
Na amargura do chão inculto,
Apenas o fantasma de suas sombras magras.
.As auroras nasciam do outro lado do mundo,
No País de São Paulo que é belo,
E se alimenta do rumor da alegre semente.
Alguma saudade, no entanto, seu Dantas? - Sim, Monte Sião,
Aiuruoca, Itabira, Vila Risonha de São Romão,
Santa Luzia do Rio das Velhas, Santa Quitéria.
Mas pouca demais
Para conter a inquietação desta miséria.
NOTURNO DE BELO HORIZONTE
O chope não me traz o desejado esquecimento
Os insetos morrem de encontro à lâmpada
Ou se acoitam no sofrimento destas rosas secas.
Vem do Montanhês este ar de farra oculta,
Bem mineira, e um trombone, atravessando
A pensão “Wankie”, próxima à Empresa Funerária,
Acorda os mortos desolados na Rua Varginha.
Uma lua muito calma desce do Rola-Moça
E se deita, magoada, sobre os jardins da Praça,
O telhado do Mercado Novo, o bairro da Lagoinha.
Tísicos boiam que nem defuntos na solidão
Dos Guaicurus. O próprio noturno de Belo Horizonte
Tem lá suas virtudes: nas pensões mais imorais
Há sempre um Cristo manso falando à Samaritana.
As mulheres do Norte de Minas, uma de Guanhães,
Duas de Grão-Mogol e três da cidade do Serro
Mandam ao ar esta canção intolerável
Que aborrece até mesmo o poeta Evágrio.
Pobre Evágrio, perdido na estação de Austin,
Triste e duro como uma garrafa sobre a mesa.
Entanto nada indica haja tiros, facadas, brigas
De amantes na Rua São Paulo, calma e sem epístolas.
O Arrudas desce tranquilo, grosso e pesado,
Carregando cervejas, fetos guardados, rótulos de
Farmácia, águas tristes refletindo estrelas.
Tudo, ao depois, continuará irremediavelmente
Como no princípio. Somente, ao longe,
Na solidão de um poste, num fim de rua,
O vento agita o capote do guarda.
CANÇÃO DO EXÍLIO
Alma,
Pássaro solitário,
Como é difícil abranger-te!
nem sei como defender-te!
Incomensurável que és.
Num só crepúsculo,
Passeias todas as paisagens,
Visitas todas as terras,
E te recolhes triste
À morada que te serve
De cárcere...
O ANJO E O LAMPIÃO
Havia um lampião sobre a mesa de jantar.
Necessariamente era noite sobre a mesa,
A mãe, o crochê e o menino triste estudando.
E sobre a noite, lá fora, com João Mancini,
Cel. Fabrício e o pai, jogando, chovia.
Insetos desolados (até hoje os vejo ainda)
Adejavam em torno do cruel abajur.
A cartilha era líquida como um rio.
Necessariamente alguém me deitou.
Deve ter sido minha mãe. E necessariamente
Devo ter dormido. Dormido meu sono de menino pobre,
Enquanto o pai, lá fora, na noite chovendo,
Jogava, e a mãe, na chuva, desfalecida,
(As formigas passeavam-lhe pela boca fria)
Sobre a sepultura do irmão também morto,
Naquela noite, jazia, entre lêndeas
E alas de flores murchas e tristes.
Mas os anjos, os anões e os duendes,
Enquanto o menino pobre dormia,
Desciam à mesa e brincavam ao redor do lampião,
Sozinho na sala, maior que o mundo.
In Suplemento Literário de Minas Gerais, edição 1.350, setembro/outubro de 2013, pp. 37-38
José Franklin Massena de Dantas Motta (Carvalhos, Aiuruoca, Minas Gerais 22 de março de 1913 - 02 de fevereiro de 1974) - Além de poeta, foi advogado. Ao longo de sua vida, estabeleceu intensa relação com Carlos Drummond de Andrade através de cartas e encontros esporádicos. Era muito respeitado entre poetas e críticos. Suas obras mais conhecidas são: Planície dos Mortos (1945), Elegias do País das Gerais (1946), Anjo de Capote (1953), Epístola de São Francisco (1955) e Primeira Epístola de Jm. Jzé. da Sva. Xer., o Tiradentes, aos ladrões ricos (1967)
ALEXANDRE REIDER |
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