quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Ismael Nery

Poema
(1931)
Estou com o olho no telescópio que está dentro da barriga da cúpula. Observo a lua, a filha da lua, a neta da lua, toda a família da lua, menos o marido dela. Eu gosto da cor da lua mas acho incompleta a sua forma. A lua é uma mulher gorda, que parece magra, magríssima, abstrata. Eu gosto das mulheres abstratas que vêm ao mundo sem pai nem mãe nem irmãos, e que não nasceram em nenhum país nem tão pouco no mar. Gosto mais de ter uma mulher em pé na minha cabeça do que pendurada em meu pescoço. O meu pescoço, às vezes, não aguenta bem o peso da minha cabeça, porque ela está cheia de coisas que quase sempre eu não gosto. Tenho uma formidável atração pelo que detesto, inclusive eu mesmo. Ismael Nery: nunca consegui ouvir nem dizer este nome sem sentir uma comoção — mas não sei bem que espécie de comoção eu sinto ouvindo ou dizendo este nome. Há nomes também que me emocionam e me obrigam a inventar um físico para eles. Nunca vi ninguém que escapasse completamente a uma crítica minha — nem eu próprio. Terei que captar a minha sinceridade em alguém que não seja eu, e até muito pelo contrário — que seja diferente de mim. Preferiria olhar as mulheres de cabeça para baixo e suspenso por um fio de aço, do que de outra maneira qualquer. A desorganização das coisas não me agrada, também como a organização. Gostaria de ter um criado moral para arrumar o meu cérebro e consolar nas minhas ausências aqueles que moram comigo, de mim e para mim. O meu maior instinto é o da paternidade, que  a tudo e a todos. A minha maior vontade era a de ser a sombra  de tudo e de todos, a fim de nascer e morrer com todos  e em todos os tempos. Não haverá um homem que me determine moral e fisicamente?  Sou o gérmen de um Deus, toda a gente o é também. 

[Poemas de Ismael Nery recolhidos por Murilo Mendes, in Ismael Nery e Murilo Mendes: reflexos, Leila Maria Fonseca Barbosa & Marisa Timponi Pereira Rodrigues, Juiz de Fora: UFJF/MAMM, 2009, pp. 86-87]. 


AUTORRETRATO
Ismael Nery

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