sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Jorge Luis Borges

O FAZEDOR
Somos o rio que invocaste, Heráclito. 
Somos o tempo. Seu intangível curso 
Arrasta os leões e as montanhas, 
Pranteado amor, cinzas do deleite, 
Insidiosa esperança interminável,
Vastos nomes de impérios que são pó,
Hexâmetros do grego e do romano, 
Lúgubre um mar sob o poder da aurora,
O sono, em que pregustamos a morte,
As armas e o guerreiro, monumentos,
As duas faces de Jano que se ignoram,
Os labirintos de marfim que urdem 
As peças de xadrez no tabuleiro,
A rubra mão de Macbeth que pode 
Ensanguentar os mares, o secreto 
Trabalho dos relógios entre as sombras, 
Um incessante espelho que se fita 
Em outro espelho, e ninguém para vê-los, 
Lâminas aceradas, letra gótica,
Uma barra de enxofre em um armário, 
Pesadas badaladas da insônia,
Auroras e poentes e crepúsculos,
Ecos, ressaca, areia, líquen, sonhos.
Não passo de imagens que o acaso 
Vai embaralhando e que nomeia o tédio.
Com elas, mesmo cego e alquebrado,
Hei de lavrar o verso incorruptível
E (é meu dever) salvar-me. 

[In Poesia Borges, Companhia das Letras, 2009, p. 327]


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