terça-feira, 26 de novembro de 2013

Lélia Coelho Frota

ELUCIDÁRIO
Se a manhã nos arma um laço
de margaridas de aço
meu bem, eu fujo na brisa
que voa para Ouro Preto.
Eu voo para Ouro Preto
não para filar venturas
que escapariam de mim.
Eu voo para Ouro Preto
na pontinha de teus pés
e com asas de saíra
para antecipar a morte
de meu eu impaciente
nos planaltos impassíveis:
clara cor clarividente.
Essas melífluas tristuras
que esquinas cotidianas
distribuem no caminho
em Ouro Preto se aguçam
a um tal diapasão
que o ser não resiste e cede
seu lugar a algum inseto
cariátide de altar.
Eu voo para Ouro Preto
não no cultivo de hiper-
requintadas regalias:
eu voo sobre ouropéis
a me confundir nos cerros
que se engolfam na distância
no cerro
no cerro azul
de diamante taful.
Azulvoante volátil
para não ser: ser lembrança
de alguém que nunca existiu
 não usou vestido novo
não se sorriu nos espelhos
deu mão para namorado
e decorou teoremas
e não amou não amou
e não sofreu, diluiu
os olhos em noite insone.
Ser detalhe de paisagem
galicismo, bem-te-vi
principalmente não ser,
não ser, meu bem, eis aí
a razão de ser inversa
que claudica e se tortura
e que se condensa em verso.
Eu voo num voo curto
surdo preto caviloso
com meus pezinhos dourados
eu fujo de mim nos braços
assustados dos ponteiros.

Marília, Dirceu, é hora
dos madrigais mais soturnos:
eu voo para Ouro Preto
valsando nos meus coturnos.

[In Alados Idílios, in Poesia Reunida 1956-2006, Rio de Janeiro, Bem-Te-Vi, 2013, pp. 148-149].


ALBERTO DA VEIGA GUIGNARD
Paisagem onírica de Ouro Preto 



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