O vendaval
à noite arrancou todas as folhas de uma árvore,
menos uma,
deixada
para balançar só num galho nu.
Com este exemplo
a Violência demonstra
que sim –
às vezes ela gosta de se divertir.
OS PENSAMENTOS QUE ME VISITAM NAS RUAS MOVIMENTADAS
Rostos.
Bilhões de rostos na face da terra.
Dizem que cada um é diferente
dos que já se foram e dos que virão um dia.
Mas a Natureza – quem é que a entende? –
cansada do trabalho que nunca acaba
talvez repita suas ideias antigas
e ponha-nos rostos
já usados outrora.
Pode ser Arquimedes de jeans que passa ao seu lado,
a czarina Catarina com roupa de brechó,
um dos faraós de pasta e óculos.
A viúva de um sapateiro descalço
vinda de uma Varsóvia pequenina ainda,
um mestre da gruta de Altamira
levando as netas para o zoológico,
um Vândalo cabeludo a caminho do museu
para se deliciar com os mestres do passado.
Os que tombaram há duzentos séculos,
há cinco séculos,
há meio século.
Alguém levado em carruagem dourada,
alguém levado em vagão de extermínio.
Montezuma, Confúcio, Nabucodonosor,
suas babás, suas lavadeiras e Semíramis
que só fala inglês.
Bilhões de rostos na face da terra.
Meu, seu, de quem –
você nunca saberá. Talvez a Natureza tenha que ludibriar
para dar conta dos prazos e da demanda
e pesque até o que estava submerso
no espelho da deslembrança.
UM ACIDENTE DE TRÂNSITO
Ainda não sabem
o que há meia hora
aconteceu na estrada.
Em seus relógios
a hora é mais ou menos
tarde, de quinta-feira, e setembro.
Alguém escoa o macarrão.
Alguém varre as folhas do jardim.
Crianças correm gritando ao redor da mesa.
Um gato se digna a ser afagado.
Alguém chora –
diante da televisão, como de costume,
quando o malvado Diego trai a Juanita.
Alguém bate na porta –
não é nada, só uma vizinha devolvendo a frigideira.
O telefone toca nos fundos da casa –
por ora, só o telemarketing.
Se alguém chegasse à janela
e olhasse o céu
poderia ver as nuvens
que vinham do lugar onde ocorreu o desastre.
Rasgadas, despedaçadas,
mas, até aí, nada de especial.
AUSÊNCIA
Por pouco
e a minha mãe teria casado
com o senhor Zbigniew B. de Zduńska Wola.
Se tivessem uma filha – não seria eu.
Talvez com a memória para nomes, rostos
e canções ouvidas uma só vez – melhor que a minha.
Distinguindo sem erro um pássaro do outro.
Com excelentes notas de física e química,
de polonês nem tanto,
mas escrevendo poemas às escondidas,
logo muito melhores que os meus.
Por pouco
e naquela mesma época meu pai teria casado
com a senhorita Jadwiga R. de Zakopane.
Se tivessem uma filha – não seria eu.
Talvez mais teimosa e intransigente.
Saltando sem medo na água funda.
Suscetível ao que comove as massas.
Vista em vários lugares ao mesmo tempo,
poucas vezes com um livro, muito mais com a bola,
jogando com meninos nos pátios e ruas.
As duas poderiam ter se encontrado
na mesma escola e na mesma classe,
mas sem afinidades,
nenhum parentesco,
e na foto da turma, bem afastadas entre si.
Fiquem aqui, meninas
– diz o fotógrafo –,
as pequenas na frente, as mais altas atrás.
E sorrisos bonitos quando eu der o sinal.
Verifiquem ainda,
não falta ninguém?
– Sim, senhor, estamos todas aqui.
O DIA DEPOIS – SEM NÓS
A previsão é de manhã fria e céu nublado.
Do oeste
aparecerão nuvens chuvosas.
A visibilidade será fraca.
As estradas escorregadias.
Ao longo do dia,
possível diminuição de nebulosidadeem áreas isoladas
causada pela frente de pressão alta do norte.
No entanto, com o vento forte e inconstante
podem ocorrer tempestades.
À noite,
tempo bom em quase todo o país,
só no sudeste
possíveis pancadas de chuva.
A temperatura vai baixar significativamente
e a pressão vai subir.
O dia seguinte
deve ser de sol,
mas quem ainda estiver vivo
talvez precise de guarda-chuva.
Tradução de Henryk Siewierski
Poemas do livro "Here", de Wislawa Szymborska. Copyright 2010 de Wislawa Szymborska. Traduzido e reproduzido sob permissão de Houghton Mifflin Harcourt Publishing Company. Todos os direitos reservados.
Fonte: Revista Piauí
Stanisław Wyspiański |
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