terça-feira, 15 de abril de 2014

António Carlos Cortez

RESPOSTA A DRUMMOND
É sempre no meu sempre aquele nunca
é sempre nesse nunca aquele agora
é sempre nesse agora aquele nada

No mesmo nada encontro sempre tudo
mesmo se o mundo é nada sempre assim
mesmo se assim tudo me desperta

e eu me desperto a adormecer no fim
de cada dia de trabalho errado
em cada hora de um amor mal feito

e digo mesmo se este mundo vale
a expectativa de querer ser sempre
aquela esp’rança onde o bem e o mal

se aliam sempre para quem conserva
o sonho ou a fúria de não estar sonhando
Mas novamente dói a dor no peito

e dói no corpo o que nos vai passando
mágoas ou risos ou o grito dado
e logo atirado para um vale escuro

onde não oiçamos a revolta infinda
de vivermos os dias nesta escura selva
a que nem Dante chamou talvez de vida

a que chamamos coisa e porém amamos
Sempre este querer de violência tanta
e esta crença de que o canto estale

e o dia venha porque nós lutamos
para além das forças que supomos nossas
para além dos sonhos que já não esperamos

para além do verso e do corpo gasto
Sempre este homem que se vai cansando
sempre estes ossos em que equilibramos

esta carne frágil este dia vasto
esta vida feita no que é morte nela
este amor sujeito ao que é sempre efémero

este ódio ao mundo que é amor eterno


[In Depois de Dezembro. Lisboa,  Licorne, 2010].

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