domingo, 27 de abril de 2014

Henriqueta Lisboa

HERANÇA
Ouso à sombra de Dante ao meu Virgílio
oferecer louvor com tal ternura
que me estremece a voz ao casto idílio.

Quem mergulhou um dia na leitura
do magno poeta vem transfigurado
de uma consciência límpida e madura.

Todo o valor do tempo no passado
volve de novo em raios convergentes
à lembrança de lume radicado.

Tudo emerge no plano do presente
— pronto, cálido e nítido — pelo ato
que é promessa de vida permanente.

A cada circunstância o termo exato
dá testemunho da alma que está presa
à contínua experiência do recato.

Esse conhecimento da beleza
junto à simplicidade quase rude
já sobreleva os dons da natureza.

Clássico sereníssimo! Que o estude
sempre, alguém, à noção de que é mister
entregar-se ao destino em plenitude

à maneira de Enéas para obter
a expressão que transcende esse destino
e é dádiva de sangue a um outro ser.

O verbo humano, então, se faz divino.

[Henriqueta Lisboa, Obras Completas, Vol. I, Poesia Geral,  Duas Cidades: São Paulo, 1985, p. 311] 



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