CADA UM
COM SUA QUIMERA
Sob um grande céu de
cinza, numa grande planície poeirenta, sem caminhos, sem relva, sem um cardo, sem uma urtiga, encontrei vários homens que marchavam
curvados.
Cada um deles trazia às costas
uma enorme Quimera, tão pesada como um saco de farinha ou de carvão, ou o
equipamento de um infante romano.
Porém o monstruoso animal não era
um peso inerte; ao contrário, envolvia o homem, e oprimia-o, com seus músculos
elásticos e possantes; aferrava-se-lhe ao peito com suas duas garras
imensas; e sua cabeça fabulosa elevava-se por sobre a cabeça do
homem, como um desses horríveis capacetes com que os antigos guerreiros
procuravam agravar o terror do inimigo.
Interroguei um daqueles
viajantes, indaguei-lhe aonde eles iam assim. Respondeu-me
que não sabia de nada, nem ele, nem os outros; mas que evidentemente iam a
alguma parte, pois eram impelidos por uma necessidade invencível de caminhar.
Curioso: nenhum deles se mostrava
irritado contra o animal feroz que trazia pendurado ao pescoço e agarrado às
costas; dir-se-ia considerá-lo parte integrante de si
mesmo. Nenhuma daquelas fisionomias extenuadas e graves dava indício do mínimo
desespero; sob a tediosa cúpula do céu, os pés mergulhados na poeira de um solo
tão desolado como o céu, eles marchavam com o ar resignado daqueles que são
condenados a esperar eternamente.
E o cortejo passou ao meu lado e
afundou-se nos longes do horizonte, no ponto em que a redonda superfície do
planeta se furta à curiosidade do olhar humano.
E durante alguns momentos
obstinei-me em querer compreender esse mistério; mas logo a irresistível
Indiferença caiu sobre mim, e eu fiquei mais rudemente
oprimido do que o estavam aqueles homens pelas suas esmagadoras Quimeras.
[In Pequenos poemas em prosa, tradução de Aurélio Buarque de Holanda, Rio de Janeiro: José Olympio, 1950, pp. 21-22]
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