sábado, 24 de maio de 2014

Charles Baudelaire

CADA UM COM SUA QUIMERA
Sob um grande céu de cinza, numa grande planície poeirenta, sem caminhos, sem relva, sem um cardo, sem uma urtiga, encontrei vários homens que marchavam curvados.
Cada um deles trazia às costas uma enorme Quimera, tão pesada como um saco de farinha ou de carvão, ou o equipamento de um infante romano.
Porém o monstruoso animal não era um peso inerte; ao contrário, envolvia o homem, e oprimia-o, com seus músculos elásticos e possantes; aferrava-se-lhe ao peito com suas duas garras imensas; e sua cabeça fabulosa elevava-se por sobre a cabeça do homem, como um desses horríveis capacetes com que os antigos guerreiros procuravam agravar o terror do inimigo.
Interroguei um daqueles viajantes, indaguei-lhe aonde eles iam assim. Respondeu-me que não sabia de nada, nem ele, nem os outros; mas que evidentemente iam a alguma parte, pois eram impelidos por uma necessidade invencível de caminhar.
Curioso: nenhum deles se mostrava irritado contra o animal feroz que trazia pendurado ao pescoço e agarrado às costas; dir-se-ia considerá-lo parte integrante de si mesmo. Nenhuma daquelas fisionomias extenuadas e graves dava indício do mínimo desespero; sob a tediosa cúpula do céu, os pés mergulhados na poeira de um solo tão desolado como o céu, eles marchavam com o ar resignado daqueles que são condenados a esperar eternamente.
E o cortejo passou ao meu lado e afundou-se nos longes do horizonte, no ponto em que a redonda superfície do planeta se furta à curiosidade do olhar humano.
E durante alguns momentos obstinei-me em querer compreender esse mistério; mas logo a irresistível Indiferença caiu sobre mim, e eu fiquei mais rudemente oprimido do que o estavam aqueles homens pelas suas esmagadoras Quimeras.

[In Pequenos poemas em prosa, tradução de Aurélio Buarque de Holanda, Rio de Janeiro: José Olympio, 1950, pp. 21-22]




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